Por Yasmim Tabosa, PIM Amazônia
Com a perspectiva de implementar melhorias no setor industrial brasileiro até 2033 e aumentar a competitividade econômica do país, o Governo Federal anunciou o programa Nova Indústria Brasil. A nova política industrial é dividida em seis missões, com metas voltadas para áreas como ampliação da autonomia, transição ecológica e modernização do parque industrial brasileiro, e promete injetar R$ 300 bilhões para financiamentos até 2026 – recursos que estão organizados dentro do Plano Mais Produção, um conjunto de soluções financeiras baseadas em quatro eixos bem-definidos: Mais produtividade; Mais Inovação e Digitalização; Mais Verde; e Mais Exportação (leia os detalhes ao fim deste texto).
Para entender as possíveis dinâmicas desse novo programa e seus respectivos impactos para a região amazônica, a PIM Amazônia conversou com uma especialista da área de economia regional, além de buscar as percepções das Federações das Indústrias dos estados que compõem a Amazônia Legal.
Para Michele Lins Aracaty, economista e doutora em desenvolvimento regional, ainda não é possível prever como, na prática, as metas do programa serão cumpridas, isso porque o Brasil vivencia um cenário macroeconômico incerto, que ainda se recupera dos impactos de uma pandemia global (Covid-19) e encara as mudanças que serão realizadas com a Reforma Tributária.
Contudo, Michele afirma que se as metas do Nova Indústria Brasil, lançadas em 22 de janeiro, forem de fato implementadas até 2026, para a colheita de resultados até 2033, os benefícios são inegáveis para cada estado da Amazônia, incluindo a Zona Franca, parque industrial localizado em Manaus (AM). “Esse novo conceito chamado ‘neoindustrialização’, está buscando, principalmente, desenvolver práticas produtivas sustentáveis, inclusivas, digitais, tecnológicas e que obedeçam a potencialidade regional. Então, tem tudo a ver com a nossa região, se realmente for colocado em prática”, interpreta a economista.
Segundo ela, essa é uma iniciativa em que o Estado está procurando “retomar as rédeas da liderança na indústria nacional” para, assim, assumir um papel impulsionador no crescimento econômico, que teria como parte dos seus resultados a atração de novos investidores de dentro e fora do país, aumentando a competitividade industrial.
“Toda vez que nós temos uma política pública, precisamos analisá-la como um fator extremamente positivo, nesse caso, não somente para o Polo Industrial de Manaus, mas para possíveis investidores externos que estão olhando para o Brasil. Existe toda uma cadeia que se beneficia em relação a isso e para nós, que estamos na Região Norte, precisamos do investimento público para poder atrair o investimento privado. É uma relação de causa e consequência. E agora o Estado está tomando novamente a liderança como um indutor de crescimento”, explica Michele.
A economista detalha que, para esse aumento da competividade local, falar em Nova Política Industrial é também focar em alternativas que quebrem as barreiras regionais e explorem oportunidades no mercado externo, melhorando também a infraestrutura em termos de transporte, deslocamento, qualidade de trabalho e gargalos logísticos, como indicado nos eixos do programa.
Metas favorecem e incentivam a bioeconomia
De acordo com Michelle, todo esse processo, quando somado a estratégias que alinham o crescimento industrial com uma frente focada também em sustentabilidade e no incentivo à bioeconomia local, torna-se a saída ideal para que a Amazônia seja uma das protagonistas brasileiras nesse novo ciclo industrial, tendo impacto em diferentes estágios das cadeias produtivas.
No artigo autoral “Bioeconomia: uma alternativa para o desenvolvimento da Amazônia”, publicado em 2023, nos Cadernos Adenauer, sobre política ambiental brasileira, a economista explica que a região amazônica é, sem dúvida, uma solução possível para o atendimento da agenda climática com o propósito de evitar o tão falado “ponto de não retorno”, quando a floresta seca e perde a capacidade de se regenerar dos danos provocados pela ação humana e as mudanças climáticas.
Para isso, no entanto, é preciso iniciar o mais breve possível o processo de transição para uma economia de baixo carbono, buscando uma solução definitiva para zerar o desmatamento na região, sendo os novos modelos industriais alinhados à tecnologia grandes aliados nesse processo.
“A bioeconomia no contexto amazônico surge como proposta de modelo econômico com capacidade para gerar de emprego e renda sustentáveis, com foco na preservação ambiental, cultural, conciliando o conhecimento científico e o tradicional”, esclarece a economista.
CBA – A exemplo de novos investimentos voltados ao universo da bioeconomia, em julho 2023, o Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), localizado no estado do Amazonas, recebeu uma “nova cara”. Em sua segunda viagem a Manaus como vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, assinou o novo contrato de gestão da instituição, conferindo uma maior independência jurídica ao CBA. A partir da assinatura, a Fundação Universitas ficou responsável por gerir a instituição, prevendo investimentos de até R$ 120 milhões.
O CBA é uma área de 12 mil metros quadrados, estruturada, principalmente, a partir de investimentos feitos pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). Na concepção do próprio governo federal, o objetivo do CBA é criar alternativas econômicas, mediante a inovação tecnológica para o melhor aproveitamento econômico e social da biodiversidade amazônica de forma sustentável.
“No meio de todo esse processo, nós temos agora o Centro de Bionegócios. Ou seja, a união dos novos investimentos com as potencialidades regionais, a inovação e know-how dos centros de ensino, como IFAM (Instituto Federal do Amazonas), UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e UEA (Universidade Estadual do Amazonas). O CBA vai contribuir muito para isso porque é ele que vai passar a induzir toda essa cadeia produtiva. Então, nós vamos gerar emprego, renda, e ajudar na preservação da floresta”, conclui a economista Michele Lins Aracaty.
Indústrias locais mostram otimismo com a nova política para o setor
A PIM Amazônia entrou em contato com as Federações da Indústria que representam o Amazonas, Acre, Rondônia, Tocantins, Roraima, Pará, Mato Grosso e Maranhão para entender como a dinâmica do programa Nova Indústria Brasil pode afetar cada estado. Só não foi possível contato com os representantes do setor industrial no Amapá, uma vez que a Federação das Indústrias do estado está em um período de inatividade.
As Federações são representadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que já havia se posicionado a favor da nova política, logo após o lançamento. De modo geral, todas enxergam as medidas de maneira positiva e promissora, mas, assim como indicado pela economista Michele Lins Aracaty, ainda existem ressalvas, pois esse é um momento inicial, onde é necessário esperar futuras orientações para a implementação de cada ação e seus respectivos resultados.
Tendo em vista as metas até então estabelecidas, o presidente da Federação das Indústrias do Maranhão (Fiema), Edilson Baldez, declarou-se positivo em relação aos possíveis impactos para o estado do Maranhão, também parte da Amazônia Legal.
“Considerando a atual estrutura industrial, o estado do Maranhão poderá beneficiar-se dessa nova política industrial principalmente em cinco das seis missões nas quais a iniciativa está estruturada.”, apontou.
Ele indica que dentre os principais benefícios está a missão 1, que se refere às cadeias agroindustriais sustentáveis e digitáveis voltadas para a segurança alimentar, nutricional e energética. Além disso, à medida em que haja efetiva integração das diversas áreas de atuação ministerial, em especial com projetos cruzados do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que envolvam saneamento, moradia e construção de escolas e unidades de saúde, o estado poderá ser favorecido também na missão 3, que trata de infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e bem-estar nas cidades.
O presidente da Fiema também destacou as missões 4 e 5, respectivamente, a transformação digital da indústria para ampliar a produtividade, bem como o processo de descarbonização e atração de investimentos para produção de equipamentos para geração de energias renováveis.
Por fim, Edilson Baldez mencionou, a missão 6, das tecnologias de interesse para soberania e defesa nacionais, como favorável, desde que haja celeridade nacional em investir no projeto do Centro Espacial de Alcântara (uma base de lançamentos de foguetes espaciais que existe há 41 anos, no município homônimo, localizado a 30 km da capital, São Luís), que ainda em 2020, recebeu um programa de desenvolvimento integrado.
“É possível que, mediante a formatação de uma matriz de ações e desafios a superar, se encontre novas áreas de vantagens para a indústria do estado”, concluiu.
Para o presidente da Federação do Mato Grosso (Fiemt), Silvio Rangel, esse é um grande momento para o estado, uma vez que a política está alinhada com setores econômicos da região.
“É preciso uma política clara e consistente de desenvolvimento industrial e estamos vendo o começo deste processo com o anúncio desse programa. Para Mato Grosso, dentro das linhas de trabalho anunciadas, temos grandes nos eixos das cadeias agroindustriais digitais e sustentáveis, infraestrutura, transformação digital e bioeconomia”, pontua.
Em nota enviada à PIM, a Federação das Indústrias de Roraima (Fier) indicou como positiva a medida e um instrumento para promover a indústria brasileira “com diretrizes que irão oportunizar otimização da capacidade produtiva, satisfazendo, a um só passo, expectativas que podem reduzir problemas econômicos e sociais”.
Para Alex Carvalho, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), a nova política industrial é extremamente necessária para propiciar mais investimentos para a indústria brasileira, convergindo com as pautas que a Fiepa tem defendido para fortalecer a indústria da Amazônia.
“Em meio a este cenário de emergência climática no qual vivemos, a indústria precisa aperfeiçoar seu processo fabril, com vistas a uma economia de baixo carbono, com redução das emissões e direcionada também à redução das desigualdades sociais”, informou destaca Alex Carvalho.
Vale ressaltar que o estado do Pará receberá em 2025 a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30). As missões do Programa Nova Indústria Brasil, principalmente a que se refere a bioeconomia, descarbonização, e transição e segurança energéticas, mostram-se alinhadas ao propósito da Conferência. As expectativas de público, até o momento, variam de 70 mil a 100 mil participantes do evento, que deve movimentar bastante a economia, cultura e diferentes setores locais.
Expectativa é grande para o detalhamento de como será o acesso aos recursos
O presidente da Federação das Indústrias do Acre (Fieac), José Adriano, pontuou que o Brasil, desde os anos 80, o país vivencia um processo de “desinvestimento”, agravado pelos vários momentos de instabilidade econômica e política e da reconfiguração do modelo industrial mundial. Ainda assim, ele avalia que a nova política industrial reflete uma tentativa de reerguer o cenário brasileiro.
“Durante a pandemia (da Covid-19), ficou muito claro que o Brasil estava na contramão de outros países, que desenvolveram e modernizaram e investiram, baseados em pesquisas e inovações. Contudo, mesmo com todo esse atraso, ainda foi a indústria brasileira que respondeu ativamente pela manutenção das condições mínimas de sobrevivência da sociedade”, expôs José Adriano, à PIM Amazônia.
O presidente da Fieac diz ainda que a federação recebeu a informação do programa “com alegria”, mas espera “com ansiedade” pelo detalhamento de acesso aos recursos, como também, pela necessidade de orientação dos empresários locais.
Pensamento semelhante tem o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), Antônio Silva, que também destacou o processo de acesso aos recursos. Ele afirma que a iniciativa é bem-vinda e importante para estimular a competitividade, contudo ele indica cautela, porque muitas vezes o acesso a esses subsídios se torna complicado.
“É preciso facilitar e desburocratizar o acesso a esses recursos, que, por vezes, estão atrelados a processos tão complexos e intrincados que acabam por inviabilizar o seu acesso”, declarou.
O presidente da Federação das Indústrias de Rondônia (Fiero), Marcelo Thomé, acompanhou o lançamento da Nova Política Industrial e destacou a importância da iniciativa para a retomada do crescimento da indústria brasileira, observando que isso também traz oportunidades extraordinárias para Rondônia.
Ele também comentou a respeito dos investimentos, lembrando que “o valor é expressivo, mas é um ponto de partida, sim, pois quando o Brasil fala em competitividade precisa atentar, por exemplo, que os Estados Unidos investem U$1,9 trilhão e o Japão, U$1,5 trilhão”.
Em contato a PIM a Federação do Tocantins (Fieto) afirmou que qualquer posicionamento referente a essa pauta estaria alinhado com o pronunciamento oficial da CNI.
Recursos virão principalmente do BNDES, Finep e Embrapii
As ações do programa Nova Indústria Brasil foram apresentadas em reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), no Palácio do Planalto, em 22 de janeiro deste ano. Até o momento, o que já foi divulgado pelo governo federal é que a maior parte dos recursos virá de subsídios do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Ao falar com jornalistas sobre a nova política industrial, o presidente do BNDES, Aloízio Mercadante, destacou a importância de investir no setor industrial brasileiro para modernizar o país e torná-lo menos desigual. “O Brasil é a 9ª economia do mundo, vai virar a 8ª e pode ser ainda mais do que isso. Mas, sem a indústria nós não chegaremos lá. Então, para sermos um país menos desigual, mais moderno e mais dinâmico, precisamos colocar a indústria no coração da estratégia. É o que estamos fazendo”, afirmou.
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o programa da Nova Política Industrial, lançado pelo governo federal, vai ao encontro do Plano de Retomada da Indústria, lançado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em maio do ano passado. O documento do CNI já carregava a afirmativa de que o Brasil precisava de uma nova política de desenvolvimento produtivo para “equalizar as condições de competição com os demais países”.
Considerando as propostas apresentadas no dia 22, o objetivo aparenta ter tomado um novo fôlego, uma vez que, desde o início do mandato do atual Governo Lula, em 2023, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, bem como outros braços do âmbito federativo, levanta a bandeira da neoindustrialização.
Também em maio de 2023, em entrevista exclusiva à PIM Amazônia, Alckmin já havia destacado a importância da neoindustrialização para proporcionar um processo baseado na criação de políticas públicas com foco em sustentabilidade, inclusão social e tecnológica, capazes de alavancar o setor no País – e tendo a região Amazônica como uma das grandes protagonistas desse processo.
“É o que chamo, não de reindustrialização, mas neoindustrialização. Uma nova indústria, extremamente digitalizada, na ponta da inovação, e verde, uma energia que preserve uma industrialização com descarbonização”, declarou o ministro à PIM.