Em um passado recente, empresas do setor tecnológico ofereciam altos salários e benefícios generosos; agora, crise financeira leva companhias a cortar exageros e enxugar custos
Durante grande parte da última década, as empresas de tecnologia inundaram seus funcionários corporativos com dinheiro e benefícios generosos para atrair e reter talentos em um setor hipercompetitivo. Essa dinâmica só aumentou nos últimos dois anos em meio a um boom de produtos e serviços de tecnologia alimentado pela pandemia.
“As contratações […] iam além das expectativas, pagando [salários] que provavelmente eram muito altos ou fora do alcance, onde as empresas contratavam quatro ou cinco pessoas para uma posição de vendas quando na verdade só precisavam de duas”, disse Bill McHargue, fundador da empresa de recrutamento Talent House, com sede em São Francisco, nos Estados Unidos.
Mas a situação começou a esfriar à medida que a indústria de tecnologia e a economia em geral foram atingidas pela tempestade perfeita formada pela inflação, o aumento das taxas de juros, temores de uma recessão e da guerra da Rússia na Ucrânia. Uma onda de empresas de tecnologia que estavam contratando agressivamente, da Netflix à Coinbase, anunciou demissões nas últimas semanas. Muitos outros também estão se organizando para cortar custos, com a Uber, Lyft, Snap, Twitter e Apple, todas planejando desacelerar ou pausar as contratações.
“Eles não vão contratar tantas pessoas, eles vão fazer muito mais due diligence, esse processo de entrevista vai demorar muito mais, a [compensação] vai ficar um pouco mais suave”, disse McHargue, cujo escritório trabalha principalmente com startups em estágio inicial.
“Acho que voltamos a alguns números realistas”, acrescentou, descrevendo a redução atual como um retorno aos níveis pré-pandêmicos. “Acho que a correção ia acontecer, tinha que acontecer, agora só não sabemos quanto tempo vai durar”.
Para alguns trabalhadores de tecnologia, isso pode significar algumas incertezas – não apenas na facilidade com que eles podem garantir um emprego bem remunerado, mas também em quanta influência eles têm com a gerência ao pressionar por condições específicas no local de trabalho.
Engenheiros experientes em grandes empresas de tecnologia ainda podem ter vantagem no mercado de trabalho, mas a desaceleração pode servir como um teste de realidade para funcionários da tecnologia que estão acostumados a conseguir o que querem, sejam benefícios de escritório na pré-pandemia ou indo contra seus grandes chefes corporativos durante a pandemia pelo direito de trabalhar como e onde quiserem.
Durante o boom tecnológico da década passada, “a competição por funcionários criou um conjunto de experiências/expectativas no estilo Disney em empresas de alta tecnologia”, escreveu Bill Gurley, o proeminente investidor de risco do Vale do Silício e um dos primeiros investidores da Uber, em uma postagem recente no Twitter. “Para funcionários que só conhecem este mundo, a ideia de demissões ou redução de custos (ou ser convidado a voltar para o escritório) é uma heresia pura”, acrescentou.
Agora, os CEOs bilionários de algumas das maiores empresas de tecnologia estão começando a adotar uma abordagem mais severa, o que implica que os funcionários devem se moldar ou se demitir – possivelmente com a intenção de incentivar demissões por atrito.
“Realisticamente, há provavelmente um monte de pessoas na empresa que não deveriam estar aqui”, disse o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, aos funcionários em uma sessão de perguntas e respostas na semana passada. “Parte da minha esperança ao aumentar as expectativas e ter metas mais agressivas, e apenas aquecer um pouco mais, é que acho que alguns de vocês podem decidir que este lugar não é para você, e que essa autosseleção está OK para mim”. A Meta não respondeu ao pedido de comentário da CNN.
O CEO da Tesla, Elon Musk, também emitiu um ultimato no mês passado – semanas antes de anunciar demissões – de que os trabalhadores que não voltassem ao escritório pelo menos 40 horas por semana deveriam deixar a empresa, em um desvio acentuado das políticas atuais de muitas empresas de tecnologia, incluindo o Twitter, que ele concordou em adquirir.
Mas o crescimento do ativismo dos trabalhadores estimulado pela pandemia e a disposição dos funcionários de defender seus interesses – incluindo seu nível de conforto em estar de volta a um escritório – pode não ser tão fácil de reverter da noite para o dia, de acordo com Y-Vonne Hutchinson, fundador da consultoria de inclusão ReadySet.
“A demanda por trabalhadores de tecnologia e de conhecimento ainda é global e ainda há um déficit”, disse Hutchinson. “Então, acho que os trabalhadores que não querem voltar a esse ambiente não vão.”
De fato, em todo o setor de tecnologia, a desaceleração pode produzir um resultado mais favorável para os funcionários de tecnologia que lutam pelo direito de trabalhar remotamente, de acordo com Nicholas Bloom, professor de economia da Universidade de Stanford, cuja pesquisa se concentra em questões de gerenciamento do local de trabalho.
“Para alguns setores, como o bancário, uma recessão dará à administração mais poder para forçar os funcionários a voltarem para o escritório. A tecnologia parece estar indo para o outro lado”, disse Bloom. “No momento, a maioria das empresas de tecnologia está dando aos funcionários aproximadamente o que eles querem, ou seja, cerca de dois dias por semana no escritório”.
Mas a mudança para o trabalho remoto pode acabar sendo uma faca de dois gumes para muitos funcionários de tecnologia americanos, principalmente em lugares como o Vale do Silício, com a possibilidade de empresas usá-lo para reduzir ainda mais os custos.
“À medida que entramos em uma recessão, as empresas de tecnologia vão apertar os cintos, cortando espaço nos escritórios e passando a contratar trabalhadores mais baratos fora das grandes cidades e no exterior”, disse Bloom, mencionando países como Índia e México como destinos para empregos terceirizados.
Harley Lippman, CEO da empresa de tecnologia Genesis10, disse que uma direção que ele vê começando a surgir é uma tendência maior de contratar terceirizados ao invés de funcionários permanentes, devido à flexibilidade que oferece às empresas. “O trabalho ainda tem que ser feito”, disse ele.
Seja qual for a forma, está claro que os funcionários de tecnologia terão que se preparar para uma correção significativa de curso em todo o setor.
“Vimos candidatos aceitarem ofertas e depois não aparecerem na nova empresa. Tipo, isso já aconteceu”, disse McHargue. “Eu não acho que vamos mais ver esse tipo de coisa”.
Fonte: Rishi Iyengar do CNN Business – São Francisco
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