No coração da maior floresta tropical do planeta, o Polo Industrial de Manaus (PIM) abriga centenas de fábricas que movimentam bilhões de reais por ano e geram mais de 130 mil empregos diretos. Mas, além da produção em escala, um novo modelo começa a se consolidar: o da sustentabilidade como estratégia de negócio. É nesse contexto que os princípios ESG — sigla em inglês para Environmental, Social and Governance, ou ambiental, social e governança — se tornam protagonistas na Amazônia.
O conceito surgiu em 2004, por iniciativa do projeto “Who Cares Wins”, lançado pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com o Banco Mundial. A proposta era clara: incentivar empresas a incorporar ações efetivas em sustentabilidade e responsabilidade corporativa como parte do seu valor de mercado. Desde então, o ESG ganhou força e, atualmente, é uma métrica considerada essencial por investidores, governos e consumidores em todo o mundo.
No Brasil, e especialmente em Manaus, essa agenda vem sendo levada a sério por grandes indústrias. A localização estratégica, dentro da floresta amazônica, exige um equilíbrio delicado entre desenvolvimento e preservação. Empresas como a Yamaha Motor da Amazônia e a Visteon Amazonas, por exemplo, mostram que esse equilíbrio é possível, necessário e, acima de tudo, rentável.
“Sustentabilidade deixou de ser um diferencial. Hoje, é condição para existir. Não basta produzir bem. É preciso produzir certo”, resume Tiago Muzilli, coordenador de relações institucionais da Yamaha, uma das primeiras empresas a aderir ao programa Zona Franca de Manaus + ESG, lançado, este ano, pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam).
As práticas ESG envolvem três pilares fundamentais: o compromisso com o meio ambiente, a responsabilidade social e a transparência na gestão. Na Amazônia, esse modelo ganha contornos ainda mais críticos: preservar o bioma amazônico, enfrentar indicadores sociais desafiadores e operar com governança em uma das regiões mais fiscalizadas do Brasil.
A economista Michele Aracaty, professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), acredita que o PIM caminha para se tornar um modelo de indústria sustentável. “O Polo já apresenta um alto grau de prontidão para a Indústria 4.0, com integração de tecnologias como inteligência artificial, Internet das Coisas, economia circular e manufatura aditiva. Isso, somado às práticas ESG, torna o modelo ainda mais robusto”, analisa.
Ambiental e industrial: um encontro possível
Na Visteon Amazonas, que fabrica sistemas eletrônicos automotivos, o compromisso ambiental vai além do discurso. Um dos projetos mais relevantes é o plantio de espécies frutíferas em áreas degradadas, ajudando na recuperação do solo e na ampliação da cobertura vegetal.
“Cada árvore plantada é um investimento de longo prazo, não apenas na natureza, mas também na imagem e no compromisso real da empresa”, afirma Marcelo Batista, diretor de operações da Visteon. Segundo ele, a empresa mantém um sistema de tratamento de resíduos e efluentes rigoroso e adota práticas de logística reversa e reutilização de materiais, em linha com os princípios da economia circular.
“GOVERNANÇA É O QUE GARANTE QUE AS BOAS INTENÇÕES VIREM AÇÕES PERMANENTES E NÃO MODISMOS DE MERCADO” MARCELO BATISTA, DIRETOR DE OPERAÇÕES DA VISTEON
Na Yamaha, a planta de Manaus já opera há sete anos sob a política de “aterro zero”, ou seja, nenhum resíduo industrial é destinado a lixões. Tudo é reciclado, reaproveitado ou tratado corretamente. Além disso, a empresa estabeleceu a meta de reutilizar 100% dos efluentes até 2035.
Outro exemplo concreto é o lançamento da Neo’s Connected, primeira scooter elétrica da Yamaha produzida no Brasil, e desenvolvida justamente em Manaus. O modelo traz conectividade via aplicativo, com informações sobre consumo, localização e estado da bateria. A iniciativa, lançada em 2025, coloca a fábrica local na vanguarda da mobilidade elétrica no país.
Responsabilidade social: desenvolvimento que inclui
No Amazonas, onde índices de vulnerabilidade social são historicamente elevados, o impacto social das indústrias é central na agenda ESG. Capacitação, inclusão e geração de renda são frentes que vêm recebendo atenção real das empresas do PIM.
A Yamaha mantém, desde 2008, a Oficina Escola de Mecânica de Motocicletas, em parceria com a Escola Pró-Menor Dom Bosco. O projeto já formou 701 jovens, dos quais 300 foram contratados pela empresa. Outro projeto, o Barco Escola Samaúma, realizado com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai Amazonas), já levou capacitação em mecânica a 541 ribeirinhos em 65 municípios amazônicos.
“Estar na Amazônia, além de um privilégio, é uma responsabilidade. Mais do que empregar, queremos transformar. Nosso objetivo é criar oportunidades reais, que permitam ao jovem da periferia ou da comunidade ribeirinha vislumbrar um futuro diferente. Encaramos isso como parte da nossa missão empresariaL”, afirma Tiago Muzilli.
Na Visteon, o programa Visteens oferece formação básica em eletroeletrônica para filhos de colaboradores, abrindo portas para a entrada no mercado industrial. A empresa também participa do Pacto Empresas com Refugiados, da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), realiza ações com a comunidade LGBTQIAPN+ e promove a presença de mulheres em cargos de liderança.
“A gente acredita que a indústria não pode mais ser um espaço apenas de produção. Além da entrega de resultados, ela precisa ser um agente de transformação social real. O programa Visteens nasceu dessa visão: queremos que os filhos dos nossos colaboradores conheçam desde cedo o ambiente industrial, aprendam, se inspirem e descubram que também podem ocupar esse lugar com autonomia e preparo. Não é sobre ensinar só a parte técnica, mas mostrar que existe um caminho possível, digno e acessível para eles”, ressalta Marcelo Batista.
“O mesmo vale para outras ações que abraçamos. Quando a Visteon se engaja em projetos como o Pacto com Refugiados, quando estimula a diversidade de gênero, sexualidade e cultura dentro da nossa fábrica, estamos dizendo que cada pessoa importa e que a inovação não existe sem pluralidade. Promover equidade não é caridade: é estratégia de futuro. A gente quer — e precisa — de uma indústria que reflita a diversidade do mundo que está lá fora”, completa o diretor.
Governança: ética e transparência como política permanente
Embora frequentemente ofuscada por ações ambientais e sociais mais visíveis, a governança corporativa, terceiro pilar do ESG, é o que dá sustentação real a todas as boas práticas. Trata-se do conjunto de políticas, processos e sistemas que garantem que a empresa opere com ética, transparência, responsabilidade e conformidade legal, mesmo sob pressão de mercado, mudanças políticas ou crise ambiental.
No contexto do PIM, onde operam centenas de multinacionais e empresas com cadeia produtiva global, manter uma governança sólida é não apenas uma exigência legal, mas uma condição estratégica para a continuidade dos negócios.
Na Visteon Amazonas, o compromisso com a governança se traduz em auditorias internas e externas recorrentes, feitas tanto por clientes internacionais quanto por certificadoras independentes. A empresa adota padrões rígidos de compliance, com códigos de conduta, canais de denúncia, treinamentos periódicos e um sistema de rastreabilidade que cobre toda a operação, da entrada de insumos à entrega final do produto.
“Governança é o que garante que as boas intenções virem ações permanentes e não modismos de mercado. Aqui na Visteon, não existe sustentabilidade sem controle, sem auditoria, sem clareza nas regras. A gente trabalha com clientes e parceiros em diversos países, sob legislações diferentes, e precisamos garantir que tudo o que fazemos em Manaus esteja dentro dos mais altos padrões globais. Não se trata apenas de seguir normas, mas também de criar uma cultura em que todos, da diretoria ao chão de fábrica, saibam que agir com ética não é uma opção — é o único caminho possível”, afirma Batista.
A Yamaha Motor da Amazônia também segue diretrizes internacionais de governança, adaptadas ao contexto legal e cultural brasileiro. Seus sistemas de gestão ambiental e trabalhista são auditados regularmente por órgãos de controle e pela matriz no Japão. Além disso, a empresa é signatária do Pacto Global ONU, o que reforça o compromisso com padrões globais de integridade e transparência.
“A governança é a espinha dorsal da sustentabilidade. Sem ela, qualquer avanço ambiental ou social fica vulnerável à ruptura. O que garante continuidade e confiança no longo prazo é a governança bem estruturada, capaz de suportar auditorias, evoluir com o tempo e proteger os princípios que nos norteiam”, resume Muzilli.
ZFM + ESG: um novo modelo para a indústria brasileira
Com o lançamento do programa Zona Franca de Manaus + ESG, em março deste ano, a Suframa e o Cieam buscam fortalecer o papel do PIM como referência nacional em sustentabilidade industrial. A proposta é voluntária, mas já conta com empresas como Recofarma, Technos, Impram e PST Electronics entre as aderentes.
Segundo Régia Moreira, coordenadora da Comissão de ESG do Cieam, os setores de duas rodas e de eletroeletrônicos são os mais engajados até agora. Fóruns anuais sobre ESG, promovidos pela Comissão, têm reunido empresários, especialistas, instituições acadêmicas e o setor público em discussões aprofundadas sobre os rumos do desenvolvimento sustentável na Amazônia.
“Essas empresas vêm buscando certificações, selos verdes e práticas inovadoras para reduzir impacto ambiental e agregar valor ao seu produto. Estamos falando de uma região com vocação única: aqui, desenvolvimento e preservação não são opostos, são complementares. O Polo de Manaus pode ser o melhor exemplo de que a indústria do futuro nasce no presente”, aponta a coordenadora.
A integração entre produção, responsabilidade ambiental e compromisso social no PIM não é apenas um esforço local. É um indicativo de que o desenvolvimento sustentável precisa se enraizar nos modelos industriais e que a Amazônia pode liderar esse movimento.
Por Karla Ximenes, estagiária sob a supervisão de Francisco Gomes
