Texto aprovado às pressas segue para sanção ou veto de Lula (PT) e a tendência é acirrar tensões entre as alas ambiental e de infraestrutura do governo.
Presidente terá 15 dias úteis para decidir se veta a proposta ou assume desgaste a poucos meses de receber a COP30.
Com 267 votos a favor e 116 contra, a Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quinta (17/7) — e à véspera do recesso parlamentar — a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, flexibilizando o rito para empreendimentos que vão do agro à mineração, passando também por energia.
A votação terminou por volta das 3h40, sob o atropelo de Hugo Motta (Republicanos/PB), que limitou os debates para assegurar a conclusão dos destaques.
E contou com o protagonismo da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), uma das principais interessadas na aprovação do texto — grande articuladora também da vitória no Senado em maio.
O dia amanheceu amargo para ambientalistas, que apelidaram o projeto de “PL da Devastação”, e enxergam o Brasil da COP30 acelerando na contramão.
“O resultado será um ambiente urbano com múltiplos projetos prejudiciais à saúde, como grandes indústrias, mineradoras ou aterros sanitários, que, sem o controle municipal, se tornarão vizinhos indesejados de moradias, escolas e unidades de saúde, expondo a população a riscos constantes e inaceitável”, aponta Juliano Bueno, diretor do Instituto Arayara.
Uma das críticas é em relação ao “autolicenciamento” previsto no texto.
Significa que apenas uma declaração do empreendedor preenchida em formulário pode ser suficiente para a instalação de projetos de alto impacto, sem uma análise mais aprofundada e discussão com comunidades afetadas, como ocorre hoje.
Por outro lado, grupos ligados ao setor de energia comemoraram a aprovação, defendendo que o novo marco legal não elimina salvaguardas ambientais, nem extingue a exigência de estudos de impacto ou retira o direito à consulta de povos indígenas.
“Ao estabelecer regras claras e diferenciadas conforme o impacto de cada atividade, o PL 2159/2021 reforça o princípio da proporcionalidade e a racionalidade na gestão pública, elementos essenciais para a sustentabilidade de longo prazo”, diz em nota o Instituto Acende Brasil, que tem na sua lista de clientes grandes empresas e associações do setor de energia.
A organização reconhece, no entanto, que ajustes podem ser necessários.
“A nova lei não é perfeita, como nenhuma lei é. Mas os eventuais ajustes e salvaguardas adicionais podem e devem ser tratados por meio de vetos presidenciais e, principalmente, por regulamentação no âmbito do Poder Executivo”, completa.
‘Não agiliza e atrapalha acordos’
Essa é a visão da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), que desde a aprovação do texto no Senado trabalhou para que ele tivesse mais tempo de discussão na Câmara, em uma tentativa de impedir que a matéria seguisse para sanção de Lula (PT) com o afrouxamento de regras.
“Não protege a natureza, não agiliza os processos e ainda prejudica os interesses econômicos do Brasil. Nós vamos atrapalhar o acordo da União Europeia com o Mercosul em função desses afrouxamentos”, disse na noite de ontem, quando ainda tinha esperança que o texto saísse de pauta.
Um dos entraves históricos para a conclusão do acordo é justamente a desconfiança dos europeus em relação à proteção ambiental em países como o Brasil. Viés que tem sido usado pela França, por exemplo, para proteger seu agronegócio da concorrência sulamericana.
A recente investida de Trump contra o Brasil também pode ter ganhado um aliado, como analisa Giovana Girardi, da Pública.
Nesta quinta (em um evento não relacionado com a aprovação da lei do licenciamento), o governo dos Estados Unidos, por ordem direta do presidente Donald Trump, abriu uma investigação contra o Brasil por práticas comerciais estariam restringindo ou onerando o comércio com as empresas norte-americanos.
Entre os pontos do documento assinado pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR) estão, ironicamente, as alegações de que “corrupção sistêmica e uso de documentos fraudulentos” permitem que madeira e produtos agrícolas ilegais cheguem ao mercado dos EUA.
Ainda não acabou
O próximo capítulo será a disputa interna pelos vetos de Lula.
A área ambiental do governo defende que o projeto é ‘irremediável’.
O texto, no entanto, tem apoio da área de infraestrutura do governo Lula e no Planalto. Rui Costa (Casa Civil) e Marcos Cavalcanti (PPI), além de ministros como Renan Filho (Transporte) e Alexandre Silveira (MME) são porta-vozes da defesa pela criação das novas modalidades de licenciamento ambiental.
O presidente Lula tem prazo de 15 dias úteis para sancionar ou vetar o projeto na íntegra ou em partes.
Para o Observatório do Clima, a única opção é vetar por inteiro.
“Não há como salvar o texto com vetos pontuais. O licenciamento ambiental pode ser aperfeiçoado, mas isso deve ser feito com participação da sociedade e critérios técnicos e científicos”, diz uma nota divulgada nesta quinta.
A organização encomendou um estudo que analisa que a nova lei não resolve a quantidade excessiva de regras e procedimentos e, na contramão, abre espaço para que estados e municípios criem suas próprias regras sem parâmetros nacionais mínimos. Veja na íntegra (.pdf)
Fonte: Agência Eixos