O recente escândalo da Faria Lima revelou mais do que um esquema bilionário de lavagem de dinheiro — expôs a fragilidade de Conselhos que deveriam proteger a reputação das organizações. Essa vulnerabilidade não é exclusiva do mercado financeiro: O escândalo da Faria Lima trouxe luz a um padrão silencioso que se repete em empresas privadas, entidades públicas e organizações do terceiro setor. E o custo da omissão pode ser devastador.
O Caso Faria Lima: Um Espelho de Governança de Fachada
A operação Carbono Oculto escancarou como fundos de investimento foram utilizados para lavar dinheiro do crime organizado, com a conivência — ou negligência — de estruturas de governança que falharam em seu papel mais básico: proteger a integridade institucional.
Conselhos que deveriam fiscalizar, questionar e antecipar riscos reputacionais se mostraram ausentes, passivos ou decorativos. A escalada meteórica de algumas gestoras, sem o devido escrutínio, revela uma cultura de crescimento a qualquer custo — mesmo que o custo seja a reputação.
A Realidade Fora da Faria Lima
Infelizmente, esse padrão não se restringe aos grandes fundos. Em empresas de médio porte, organizações sociais e entidades do terceiro setor, é comum encontrar conselhos com atuação meramente formal — e os riscos são igualmente graves:
• Indicações por afinidade pessoal, não por competência técnica
É comum que membros do conselho sejam escolhidos por laços de amizade ou relações familiares, o que compromete a independência e a capacidade crítica. Em uma ONG voltada à educação, por exemplo, o conselho era composto majoritariamente por ex-colegas da fundadora, sem experiência em gestão educacional ou terceiro setor.
• Renúncias recorrentes que revelam conflitos éticos não resolvidos
Em uma cooperativa de saúde, três conselheiros pediram desligamento em menos de três meses, alegando falta de transparência na destinação de recursos. Nenhuma dessas renúncias foi acompanhada de investigação interna ou revisão de processos administrativos.
• Ausência de registros de dissenso ou de posicionamentos críticos nas atas de reuniões e assembleias
Quando todas as decisões são registradas como “aprovadas por unanimidade”, mesmo em contextos de crise ou mudança estratégica, isso pode indicar silenciamento ou falta de espaço para o contraditório. A ausência de vozes divergentes não é sinal de harmonia — é sinal de alerta!
• Lealdade pessoal que se sobrepõe à missão institucional
Em uma associação cultural, decisões importantes foram tomadas para proteger a imagem de um dirigente, mesmo que isso implicasse em total desconforto e silenciamento dos membros internos. A missão institucional foi colocada em segundo plano frente à preservação de vínculos pessoais.
• Aprovações baseadas em apresentações sintéticas de números superavitários, sem questionamento sobre origem ou evidências do “como”
Um instituto ambiental apresentou resultados financeiros positivos, mas sem detalhar a origem dos recursos nem os critérios de alocação. O conselho aprovou o relatório sem solicitar documentos complementares, ignorando possíveis riscos de compliance. O fato de números serem superavitários não significa que não devam ser analisados cuidadosamente.
• Decisões tomadas sem escuta coletiva, pautadas apenas pela narrativa de um dos lados
Em uma empresa, um conselheiro foi destituído após questionar alguns atos da gestão do administrador. O motivo alegado foi “incompatibilidade de atuação”, mas não houve espaço para defesa nem debate prévio. A assembleia foi convocada com pauta genérica e, durante a reunião, a votação sobre sua saída foi incluída de forma inesperada. A decisão foi aprovada por unanimidade, sem que o conselheiro pudesse apresentar sua versão dos fatos.
Esse tipo de prática — infelizmente recorrente — transforma o conselho em instrumento de exclusão, não de governança. Quando não há escuta plural, o contraditório é sufocado e decisões graves podem ser tomadas com base em versões parciais ou interesses pessoais.
Conselhos que Supervisionam ou Conselhos que Endossam?
A presença de um conselho não garante governança — o que importa é sua atuação efetiva. Quando os conselhos se tornam espaços de validação automática, sem debate, sem escuta e sem responsabilidade, a organização perde sua bússola institucional. A missão, os valores e o impacto social ficam à mercê de interesses pessoais ou da inércia administrativa.
Fortalecer conselhos exige mais do que boas intenções: requer critérios claros de composição, cultura de transparência, incentivo ao dissenso construtivo e compromisso com a missão acima de vínculos pessoais. Só assim é possível transformar esses espaços em verdadeiros guardiões da integridade institucional.
Responsabilidade Fiduciária: Não É Opcional
Conselhos de administração, deliberativos e fiscais têm deveres legais e éticos claros. A omissão não é neutralidade — é conivência. E pode gerar responsabilização direta.
Conselhos consultivos, não tem responsabilidade fiduciária direta, desde que sua atuação esteja limitada a recomendar e sugerir, jamais deliberar e/ou aprovar!
O Que Esperar de um Conselho Que Protege
Conselhos atuantes devem:
• Mapear e mitigar riscos reputacionais, operacionais e legais
• Atuar com lealdade à missão institucional, não a dirigentes ou indicados
• Registrar dissensos e votos divergentes como forma de proteção
• Exigir transparência, correção de rumos e prestação de contas
• Antecipar cenários e orientar para o futuro
Reputação Não Se Reconstrói Com Discurso
A reputação é um ativo intangível — e quando ela desmorona, leva consigo contratos, talentos, parcerias, valor institucional e valor de mercado. Governança de fachada não protege. Conselhos decorativos não sustentam. E omissão não é estratégia — é risco.
O escândalo da Faria Lima é um alerta para todos os setores. A pergunta que fica é: seu conselho está protegendo sua organização ou apenas ocupando espaço?
