Ambientalistas criticam licença do Ibama para perfuração na Bacia da Foz do Amazonas

Licença concedida à Petrobras gera crise política e ambiental às vésperas da COP30 em Belém; ativistas prometem ação judicial e alertam para riscos à imagem climática do Brasil
Foto: Greenpeace

A emissão da licença de operação que autoriza a Petrobras a perfurar poços de pesquisa exploratória no bloco FZA-M-59, localizado na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, reacendeu uma disputa que ultrapassa as fronteiras do setor energético e chega ao centro da agenda climática da Amazônia. O documento, concedido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), abre caminho para o início imediato das perfurações em águas profundas do Amapá, a cerca de 175 quilômetros da costa e 500 quilômetros da foz do rio Amazonas.

A decisão gerou forte reação de organizações socioambientais, pesquisadores e movimentos da sociedade civil, que classificam o licenciamento como irregular e politicamente orientado. Eles afirmam que o processo do Ibama apresenta falhas técnicas e violações legais e prometem levar o caso à Justiça.

As críticas se intensificam em meio aos preparativos para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém (PA). Ambientalistas alertam que a medida pode minar o papel do Brasil como liderança global na transição energética e enfraquecer a coerência do discurso climático do governo.

“Por um lado, o governo brasileiro atua contra a humanidade, ao estimular mais expansão fóssil, contrariando à ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP30, cuja entrega mais importante precisa ser a implementação da determinação de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias”, afirmou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.

Ibama defende processo e destaca estrutura ambiental no Amapá

Diante da repercussão, o Ibama divulgou nota defendendo a legalidade da licença e afirmando que a decisão ocorreu após “rigoroso processo de licenciamento ambiental”, conduzido com base em critérios técnicos e participação social. Segundo o órgão, o processo incluiu a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), a realização de três audiências públicas e 65 reuniões técnicas setoriais em mais de 20 municípios do Pará e do Amapá.

O instituto também informou ter feito vistorias presenciais em todas as estruturas de resposta a emergências e na unidade marítima de perfuração, além de coordenar uma Avaliação Pré-Operacional com mais de 400 profissionais envolvidos. Como parte das exigências de segurança, foi criado um Centro de Reabilitação e Despetrolização (CRD) em Oiapoque (AP), que se soma ao já existente em Belém (PA), para dar suporte a eventuais ocorrências ambientais na região.

Petrobras inicia perfuração e celebra decisão

A Petrobras confirmou que a perfuração será iniciada imediatamente e que a operação terá duração estimada de cinco meses. De acordo com a estatal, essa etapa é exclusivamente de caráter exploratório, voltada à coleta de informações geológicas sobre a área, sem produção de petróleo nessa fase. A empresa defende que cumpriu todas as exigências do Ibama e afirma que o licenciamento representa um avanço institucional.

“A conclusão desse processo, com a efetiva emissão da licença, é uma conquista da sociedade brasileira e revela o compromisso das instituições nacionais com o diálogo e com a viabilização de projetos que possam representar o desenvolvimento do país. Foram quase cinco anos de jornada, nos quais a Petrobras teve como interlocutores governos e órgãos ambientais municipais, estaduais e federais. Nesse processo, a companhia pôde comprovar a robustez de seus programas de segurança e mitigação ambiental”, disse a estatal em nota.

Cientistas e movimentos reforçam críticas

Para o climatologista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, a exploração de petróleo na região pode aprofundar o colapso ambiental em curso. “A Amazônia está muito próxima do ponto de não retorno, que será irreversivelmente atingido se o aquecimento global atingir 2 graus Celsius (°C) e o desmatamento ultrapassar 20%. Além de zerar todo desmatamento, degradação e fogo na Amazônia, torna-se urgente reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis. Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo”, afirmou.

O físico Paulo Artaxo, integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), compartilha da mesma visão. “O Brasil tem a oportunidade de explorar seu enorme potencial de geração energética solar e eólica e se tornar uma potência mundial em energias sustentáveis. Não devemos desperdiçar esta oportunidade. Abrir novas áreas de produção de petróleo vai auxiliar a agravar ainda mais as mudanças climáticas e, certamente, isso vai contra o interesse do povo brasileiro”, declarou.

A coordenadora da campanha da Iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, Clara Junger, considerou a medida “inaceitável”. “Essa decisão contraria os compromissos com a transição energética e coloca em risco as comunidades, os ecossistemas e o planeta. Ao contrário do que alegam, os recursos do petróleo pouco investem na transição, sendo apenas 0,06%. Precisamos de um acordo global para eliminar a extração de petróleo de forma justa, equitativa e sustentável. Até lá, o mínimo que temos que fazer é impedir sua ampliação”, afirmou.

No mesmo tom, Mariana Andrade, coordenadora da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil, declarou que a decisão “revela uma lógica de lucro que perpetua desigualdades”. “A Petrobras tem condições de direcionar seus esforços para uma estratégia verdadeiramente voltada à descarbonização e de contribuir de forma coerente com compromissos climáticos assumidos pelo Brasil. Não há transição energética possível quando o alicerce é destruição”, criticou.

Para a diretora do Instituto Arayara, Nicole Oliveira, “a decisão de licenciar é claramente política, e não técnica”. “O valor de uma sonda jamais pode se sobrepor ao valor da vida das comunidades amazônicas, à biodiversidade ou ao equilíbrio climático do planeta. A Petrobras, responsável por 29% de todos os novos projetos fósseis da América Latina, é a principal protagonista da expansão fóssil no continente. Ao insistir na perfuração do bloco 59, ela se consagra como a Líder Continental da Não Transição Energética”, afirmou.

O Instituto Talanoa também criticou a decisão em nota. A entidade avaliou que insistir na abertura de uma nova fronteira petrolífera “afasta o Brasil das recomendações técnicas para uma transição energética que cumpra o Acordo de Paris e compromete a coerência entre o discurso climático internacional do país e suas decisões domésticas”.

“A aposta em expandir a exploração fóssil, sobretudo em uma região amazônica sensível e ainda pouco conhecida do ponto de vista científico, enfraquece a legitimidade da diplomacia brasileira e projeta o país na contramão dos compromissos assumidos no Acordo de Paris e das expectativas globais de superação da dependência do petróleo”, diz o comunicado.

Com informações da Agência Brasil


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