A busca global por um futuro de baixo carbono e o enfrentamento da crise climática consolidaram um novo instrumento econômico-ambiental, o Mercado de Carbono. No Brasil, país que faz parte da agenda climática mundial devido à sua biodiversidade e potencial de sequestro de carbono, a regulamentação desse mercado deu um salto decisivo com a sanção da Lei nº 15.042, de 12 de dezembro de 2024, que estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).
Essa legislação não apenas formaliza o compromisso climático do país, mas também estabelece um complexo sistema de “limitar e negociar”, que redefinirá as operações de grandes setores da economia nacional.
O que é Crédito de Carbono
Imagine que a Terra é uma grande sala onde todos respiram o mesmo ar. Imagine também que exista uma fumaça que faz mal para o planeta, chamada gás carbônico. Quando alguém protege a natureza, como cuidar de uma floresta ou plantar árvores, essa pessoa ajuda a limpar o ar porque as árvores “respiram” o gás carbônico: elas absorvem esse gás para viver e o transformam em oxigênio, que é o “ar bom” que precisamos para respirar. Por isso, quanto mais árvores, menos fumaça ruim fica na atmosfera.
Assim, quem cuida da natureza ganha algo parecido com pontos, que são chamados de Créditos de Carbono. Já quem polui muito, soltando muita fumaça, perde pontos e precisa comprar esses créditos de quem cuidou da natureza. É como se fosse um jogo: quem suja perde pontos, quem limpa ganha, e quem perdeu demais pode comprar de quem tem sobrando. A ideia é fazer com que quem polui pague mais e que quem protege o planeta receba algo por isso.
Como funciona
O Crédito de Carbono (ou Redução Certificada de Emissão – RCE) é o ativo central desse mercado. Ele não é apenas um conceito ambiental, mas uma unidade de valor financeiro que quantifica a redução do impacto climático.
Um único Crédito de Carbono representa a redução ou remoção verificada de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente da atmosfera. A métrica do é crucial, pois ela permite padronizar o impacto de diferentes Gases de Efeito Estufa (GEE), como o metano e o óxido nitroso , convertendo seu potencial de aquecimento global (GWP) para o equivalente em dióxido de carbono.
Os créditos são gerados por projetos que promovem a diminuição das emissões ou o aumento do sequestro de GEE. Exemplos incluem projetos de reflorestamento, conservação florestal (REDD+), geração de energia limpa (solar, eólica) que substitui fontes fósseis, e a captura e aproveitamento de metano em aterros sanitários.
Ao vender um crédito, o desenvolvedor do projeto obtém o retorno financeiro necessário para manter ou expandir sua atividade sustentável, enquanto o comprador compensa sua própria captura de carbono.

Em resumo, o objetivo principal é transferir o custo social da poluição para os agentes emissores, estimulando-os a investir em tecnologias mais limpas e em projetos de preservação ambiental para atingir suas metas de redução e mitigar as mudanças climáticas.
Mercado de Carbono Voluntário
O mercado de carbono antigamente funcionava apenas como voluntário. Nesse tipo de mercado, a participação é espontânea e não obrigatória por lei. Empresas buscam créditos para cumprir metas internas de sustentabilidade, atingir a neutralidade de carbono ou melhorar sua imagem corporativa. O mercado é regido por padrões privados internacionais que garantem a integridade dos projetos, e a negociação é feita em plataformas privadas.
A principal característica é a ausência de um mandato legal, já que as empresas participam por motivação própria, seja por compromissos públicos de sustentabilidade, pressão de stakeholders (investidores, consumidores), ou para se prepararem para uma eventual regulamentação futura. A compra de créditos no mercado voluntário não é para cumprir uma lei de emissão, mas para demonstrar liderança ambiental e neutralizar as emissões geradas em suas operações. O ativo fundamental é o crédito de carbono. Cada crédito representa a redução, remoção ou evitação verificada de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente da atmosfera.

O processo no Mercado Voluntário é impulsionado por projetos que geram as reduções de GEE. Um desenvolvedor, por exemplo, uma ONG ou uma empresa de reflorestamento cria um projeto que comprovadamente reduz ou remove GEEs. Exemplos incluem projetos de florestamento/reflorestamento (REDD+), substituição de combustíveis fósseis por energias renováveis, ou captura de metano em aterros sanitários.
O projeto deve ser auditado por uma entidade verificadora independente (terceira parte) e seguir padrões internacionais rigorosos e reconhecidos (como Verra – VCS, Gold Standard, ou outros). Após a verificação, os créditos são emitidos e registrados em um sistema público para garantir que não sejam vendidos mais de uma vez, evitando a contagem dupla.
Assim, a empresa compradora adquire esses créditos, geralmente por meio de brokers ou plataformas de negociação. Após a compra, o crédito é aposentado (retirado de circulação) em nome da empresa, comprovando que sua emissão foi compensada.
No entanto, a ausência de um mercado regulado dificultava o estabelecimento de um teto de emissões para grandes setores industriais e era alvo de críticas por atrasar o país em relação a outras economias, afetando competitividade internacional e cumprimento das metas assumidas no Acordo de Paris.
O que mudou com a nova lei sancionada em 2024
A sanção da Lei nº 15.042, de 11 de dezembro de 2024, institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), estabelecendo as diretrizes para um Mercado de Carbono regulado no país.
Com a entrada em vigor do SBCE, o país passa a estabelecer metas obrigatórias de emissões para setores econômicos determinados pelo governo. Empresas que ultrapassarem seus limites deverão comprar permissões de emissão, chamadas Cotas Brasileiras de Emissão (CBEs), enquanto aquelas que emitirem menos poderão vender suas cotas. Esse modelo “cap-and-trade”, permite que o governo defina um teto nacional de emissões, distribuindo ou leiloando cotas que passam a ser negociadas como valores mobiliários, sob regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O mercado regulado passa a coexistir com o mercado voluntário, permitindo que setores inicialmente fora da obrigatoriedade, como o agronegócio, continuem operando por meio da geração de créditos.
O novo sistema exige monitoramento, relato e verificação das emissões por parte das empresas, fortalecendo a integridade do mercado e estimulando investimentos em tecnologias de baixo carbono. Outra mudança relevante é a possibilidade de participação de povos indígenas e comunidades tradicionais na geração de créditos, ampliando o alcance social e econômico da política climática.

A implementação será gradual e ocorrerá em cinco fases. Inicialmente, serão criadas as regras gerais, o órgão gestor do sistema e os setores que estarão sujeitos às metas. Em seguida, o sistema de monitoramento, relato e verificação começará a funcionar, permitindo o registro padronizado das emissões. Depois disso, passa a ser obrigatória a entrega de relatórios e planos de monitoramento, que servirão de base para o primeiro Plano Nacional de Alocação.
A etapa seguinte envolve a distribuição e o leilão das cotas de emissão, com as primeiras negociações entre empresas reguladas. Por fim, o mercado passará a funcionar plenamente, com a abertura do mercado secundário de CBEs. A implementação conta com apoio técnico do Banco Mundial.
O SBCE integra o plano Novo Brasil, estratégia de transformação ecológica do Ministério da Fazenda que busca combinar desenvolvimento econômico, inovação tecnológica e preservação ambiental. A nova legislação também se conecta às metas climáticas apresentadas pelo Brasil durante a COP29, no Azerbaijão, em que o país reafirmou o compromisso de reduzir entre 59% e 67% de suas emissões até 2035, em comparação com 2005.
A aprovação da lei é resultado de discussões iniciadas em 2015, com o Projeto de Lei nº 2.148, cujo texto final foi consolidado na Comissão de Meio Ambiente pelo parecer da senadora Leila Barros. Com a entrada do Brasil no grupo de países que utilizam mercados regulados de carbono, o país fortalece sua posição internacional e oferece ao setor privado maior segurança jurídica para a transição rumo a uma economia de baixo carbono.
Projeções futuras
Agora que a Lei 15.042/2024 estra em vigor, o Brasil está dando os primeiros passos concretos para implementar um mercado regulado de emissões (SBCE), conforme previsto pelo Governo Federal. Segundo o Ministério da Fazenda, a nova regulação posiciona o país para uma “integração global” de seu mercado de carbono, alinhada às práticas internacionais, com mecanismos que garantem regulação de preços e monitoramento das emissões.

É esperado que a regulação do SBCE estimule projetos voltados à descarbonização, impulsione a participação de comunidades tradicionais (como indígenas) na geração de créditos, e ainda reforce a posição do Brasil como exportador de créditos de carbono de alta integridade. No entanto, senadores já cobram celeridade na regulamentação para tornar operacional o mercado de carbono. A demora pode frear a confiança de investidores e atrasar a dinâmica planejada nas cinco fases de implementação.
Em resumo, com a nova lei, o Brasil caminha para consolidar um mercado de carbono sólido, com potencial para mobilizar bilhões em investimentos verdes, promover inovação e dar mais credibilidade ao compromisso climático nacional. Se bem implementado, espera-se que o SBCE se torne uma peça central na estratégia sustentável do país, conectando ambições ambientais a oportunidades econômicas reais.
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