Quando foi sancionada em outubro de 2024, a lei do Combustível do Futuro motivou uma onda de anúncios de investimentos do setor privado, animado com o horizonte de ampliação do mercado de biocombustíveis, especialmente para o etanol e o biodiesel.
Mas o congelamento no cronograma de aumento da mistura obrigatória de biodiesel — que deveria ir de 14% em 2024 para 15% em março de 2025 — tem deixado os empresários impacientes com a falta de perspectivas. Os impactos vão da indústria aos portos, aponta Carlos Eduardo Hammerschimidt, vice-presidente do Grupo Potencial.
Em entrevista à agência eixos durante o II Fórum Biodiesel e Bioquerosene na Fenagra, em São Paulo, promovido pela União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), o empresário explica que é preciso previsibilidade para os investimentos.
Com capacidade de produção de 900 milhões de litros de biodiesel por ano, a Potencial é a maior produtora do biocombustível em um único complexo industrial no Brasil, instalado em Lapa, no Paraná.
Durante a sanção do Combustível do Futuro, o grupo anunciou R$ 3 bilhões em investimentos na cadeia do biodiesel, com destaque para a ampliação da capacidade de produção e a construção de um bioduto que entregará o produto direto no pool de Araucária.
Para Hammerschimidt, o atraso no cronograma chega como um “balde de água fria” que gera certa desconfiança no planejamento de novos investimentos.
“Aqueles empresários que tinham a vontade de investir nesse mercado perdem um pouco a vontade”, comenta o executivo.
Ele garante, no entanto, que os aportes anunciados em outubro do ano passado seguem de pé, confiando na retomada do aumento da mistura do combustível renovável ao diesel.
“Estamos investindo aproximadamente R$ 2 bilhões numa esmagadora de soja e ampliando nossa produção de biodiesel. Também estamos ampliando nossa produção de glicerina refinada acreditando que esse cronograma ainda vai ser seguido”, afirma.
A decisão do governo Lula (PT) de suspender o avanço para o B15 em março de 2025 foi justificada por uma preocupação com a alta do combustível vendido nos postos, o preço do óleo de soja e a sua participação na inflação dos alimentos, além do aumento de fraudes na venda do diesel B.
O vice-presidente da Potencial rebate, no entanto, que o biodiesel seja o problema.
“O biodiesel não é o problema do mercado, é a solução. Nós vemos países que são totalmente dependentes de combustíveis importados e nós não precisamos disso. Podemos ser independentes de combustíveis importados e produzir tudo aqui dentro”.
Ele também observa que as fraudes não devem servir de argumento para atrasar a política de biocombustíveis, pois a falta de previsibilidade afasta investidores.
“É muito importante que os cronogramas, os projetos de Estado sejam seguidos à risca para dar previsibilidade e segurança jurídica para o empresário brasileiro, senão você começa a afastar os investidores do Brasil”.
Safra recorde, portos sobrecarregados
A safra brasileira de soja – cujo óleo é a principal matéria-prima para o biodiesel – está projetada para alcançar 169,7 milhões de toneladas em 2025, enquanto o esmagamento deverá ficar em 57,5 milhões de toneladas, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
A título de comparação, em 2024, a safra foi de 153,3 milhões de toneladas e o esmagamento fechou o ano com 54,5 milhões de toneladas.
Ainda segundo as projeções da Abiove, as exportações do grão – sem agregação de valor – devem saltar de 98,3 milhões de toneladas em 2024 para 108,2 milhões de toneladas em 2025.
“A safra recorde deste ano demonstra a capacidade de produção do agronegócio que está totalmente ligada com o biocombustível. Por isso tenho esperança de que volte o cronograma, porque senão até os nossos portos terão problema. Os portos estão trabalhando com 90% a 95% de capacidade de exportação”, avalia.
Levantamento da startup de logística ElloX Digital mostra que, em março, 55% dos navios (179 de um total de 325) sofreram atrasos ou alterações nas escalas nos principais portos do país. O tempo médio de espera de um contêiner chegou a 40 horas. (Poder360).
“Vai gerar um problema portuário no Brasil inteiro se esse produto não for industrializado no mercado interno”, alerta Hammerschimidt.
Demanda ainda é insuficiente para novos combustíveis
O Combustível do Futuro também inaugura mandatos para combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, em inglês) e diesel verde a partir de 2027. Ambos são produtos do biorrefino e um depende do outro para viabilidade comercial.
Apesar de a lei trazer essa sinalização de demanda, o vice-presidente da Potencial avalia que ela ainda é muito pequena para motivar os investimentos bilionários que requerem uma biorrefinaria.
“A Potencial é uma empresa que quer estar em todas as pontas. Começamos com distribuição gasolina, diesel, etanol e chegou o momento que fomos para o biodiesel. Enxergamos que o mercado do futuro são os biocombustíveis, todos vão ser complementares e o SAF está no radar. Mas a demanda ainda é muito pequena”.
“O Brasil consome cerca 9 bilhões de litros de querosene de aviação por ano. Quando a gente fala em [um mandato de descarbonização de] 1% isso vai dar 90 milhões de litros por ano de SAF, apenas. É uma planta muito pequena para apostarmos numa demanda de 90 milhões e é um investimento muito grande”, completa.
Mesmo a previsão de chegar a 2037 com as companhias aéreas obrigadas a reduzir 10% das suas emissões com SAF, o empresário enxerga a necessidade de um sinal de demanda maior.
“A construção de uma planta de SAF para a produção dos seus 400 milhões de litros por ano custa US$ 500 milhões. É um investimento alto, então o empresário vai fazer a conta: se vai valer a pena, se vai ter demanda ou não por aquele produto, ou se vale se especializar em outro biocombustível”.
Hammerschimidt também avalia que o custo final desses novos combustíveis ainda é um gargalo para inserção na matriz, o que, no caso do transporte terrestre, justifica a preferência pelo biodiesel.
“O diesel verde custa quase 50% mais caro que o biodiesel no Brasil, então não faz sentido. O biodiesel já faz a função do diesel verde”, conclui.
Fonte: Eixos