Indígenas fazem protesto e “julgamento” contra a Ferrogrão no PA

Ação que julgava a constitucionalidade da construção da ferrovia está suspensa desde setembro passado, mas poderá ser retomada ainda este mês. Obra é defendida pelo agronegócio como estratégica para a região
Julgamento simulado ocorreu no auditório da Universidade Federal do Oeste do Pará. Foto: Divulgação

Da Redação, com informações da Agência Brasil e g1 Santarém

Indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares realizaram na segunda-feira, 4, em Santarém, no Pará, um protesto e um julgamento simulado contra a construção da Ferrogrão (EF-170), ferrovia que ligará Sinop, no Mato Grosso, ao porto paraense de Miritituba. O projeto prevê passagens por áreas de preservação permanente e terras indígenas, onde vivem aproximadamente 2,6 mil pessoas. A obra, com 933 quilômetros (km) de extensão, é defendida pelo setor do agronegócio como uma alternativa à Rodovia BR-163, principal via de escoamento de grãos no Centro-Oeste e a ideia é que seja construída paralelamente à estrada.

A sentença do “julgamento” traz cinco argumentos de acusação: violação do direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé; estudos falhos e subdimensionamento dos impactos e riscos socioambientais conexos; aumento da especulação fundiária, grilagem de terras públicas, desmatamento, queimadas e conflitos fundiários; e favorecimento indevido dos interesses das empresas transnacionais.

Os indígenas afirmam que desde a idealização da ferrovia, o direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé – garantido pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e internalizada à legislação brasileira – foi desrespeitado pelo Governo Federal.

“Os estudos técnicos apresentados por aqueles que defendem o projeto dizem que a ferrovia passará longe dos territórios, mas para nós, que vivemos dentro deles, está perto e nunca fomos consultados. Realizaram audiências nas cidades e jamais pisaram em nossas aldeias, como determina o nosso protocolo de consulta. Por isso, exigimos respeito ao nosso direito de ser consultado antes de colocar empreendimento perto ou dentro do nosso território”, defendeu a liderança da Terra Indígena Baú, no Pará, Mydjere Kayapó Mekrãgnotire.

“Este réu representa não só a Ferrogrão, mas outros empreendimentos que estão sendo pensados sem nenhuma consulta aos povos afetados. Os protocolos de consulta dos povos devem ser respeitados como foram pensados nos territórios e a ausência do instrumento do protocolo não é impedimento para a consulta de um povo afetado pelo empreendimento”, reforçou Kleber Karipuna, Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).

Ao final de seis horas de “Tribunal”, os povos indígenas e tradicionais anunciaram a “sentença”, que “determinava” o cancelamento imediato e definitivo do projeto da Ferrogrão por parte do Governo Federal e a devida responsabilização de empresas pelos danos incorridos contra a natureza e os habitantes da região do Tapajós e do Xingu. O “Tribunal” também determinou que o Governo Federal promova mudanças estruturantes nos instrumentos e processos de tomada de decisão no planejamento de infraestrutura, fortaleça a governança territorial, e promova uma nova visão sobre a infraestrutura para a Amazônia, reiterando a necessidade de consulta livre, prévia e informada aos povos originários e tradicionais para todo e qualquer empreendimento que afete direta e indiretamente povos indígenas e comunidades tradicionais. A “sentença” foi assinada por 40 organizações de povos indígenas, tradicionais e movimentos sociais.

O “Tribunal Popular da Ferrogrão” foi organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Associação Pariri, Instituto Kabu, Movimento Tapajós Vivo, Comissão Pastoral da Terra, GT Infra, Amazon Watch, Inesc, Fase e Stand Earth.

Sobre a Ferrogrão – A Ferrogrão tem custo estimado de R$ 24 bilhões e prazo de concessão de uso de 69 anos. Em 2017, o governo do ex-presidente Michel Temer editou uma medida provisória, depois convertida em lei, que alterava limites de quatro unidades de Conservação do Pará para viabilizar a construção da ferrovia.

O PSOL entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.553) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o argumento de que uma medida provisória não poderia ser o instrumento jurídico para alterar o limite de unidades de conservação.

Em setembro do ano passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu por 6 meses a ação que julgava a constitucionalidade da construção da ferrovia e também determinou a realização de estudos de impacto ambiental e consulta aos povos impactados pela obra.

Na sequência, o Ministério dos Transportes criou, em outubro, um grupo de trabalho, com representantes do governo federal, da sociedade civil, de comunidades indígenas e de representantes dos autores da ADI. O objetivo é acompanhar os processos e os estudos relacionados ao projeto, além de discutir aspectos socioambientais e econômicos do empreendimento e facilitar o diálogo entre as partes interessadas. A expectativa é que Alexandre de Moraes decida sobre o tema ainda este mês.

Alguns setores do governo Lula defendem a Ferrogrão, e recursos para seus estudos foram assegurados pelo novo Programa de Aceleramento do Crescimento (PAC), publicado em agosto de 2023. No mesmo mês, o presidente da Cargill no Brasil, Paulo Souza, declarou que “Não dá para ser contra o Ferrogrão. É uma irresponsabilidade”.

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