Banhado pelos rios Negro e Solimões, o Amazonas sustenta uma economia fortemente ancorada na indústria e no comércio, com destaque crescente no cenário nacional pelo volume de importações e exportações que escoam por suas rotas fluviais.
Em 2024, o volume de importações alcançou cerca de US$16,14 bilhões, se destacando como o maior patamar dos últimos sete anos, segundo a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Amazonas (Sedecti). No mesmo período, as exportações aproximaram-se de US$1 bilhão, fechando o ano com cerca de US$970,4 milhões.
No início de 2025, os sinais de crescimento se mantêm fortes. Dados de setembro apontam que a corrente de comércio do estado, somando importações e exportações, alcançou US$1,53 bilhão, sendo as importações de US$1,46 bilhão e exportações de US$66,9 milhões. Esse ritmo reforça a perspectiva de novo recorde anual, reafirmando o papel do Polo Industrial de Manaus (PIM) como motor econômico do Amazonas.
Em meio a esse cenário econômico, às margens do rio Amazonas, o município de Itacoatiara se destaca como rota logística estratégica para o escoamento da produção nacional. A cidade tem se afirmado como elo decisivo entre o Centro-Oeste, o Norte e os portos de exportação, movimentando grãos, combustíveis e produtos industrializados com crescente eficiência nos últimos anos.
No centro desse avanço, está o terminal graneleiro da Hermasa Navegação da Amazônia S.A., subsidiária da Amaggi, que registrou em 2023 uma movimentação de 11,4 milhões de toneladas, mesmo diante da seca histórica do segundo semestre. A estrutura faz parte de um corredor hidroviário que conecta a produção agrícola do Centro-Oeste à bacia amazônica, ampliando a presença do modal fluvial no transporte nacional. Em 2025, a Amaggi inaugurou um novo eixo logístico a partir de Roraima, transportando soja até Itacoatiara, pelos rios Branco e Amazonas, e reduzindo em até 74% o trecho rodoviário, uma mudança que reforça a integração hidroviária e diminui custos operacionais e emissões.
O caminho da soja e do milho começa nas lavouras de Mato Grosso e Rondônia e a produção segue de caminhão até Porto Velho, onde é descarregada em armazéns às margens do rio Madeira. Dali, os grãos são transportados em comboios de barcaças até Itacoatiara. No terminal da Hermasa, o carregamento é transferido para navios de grande porte, que descem o Amazonas rumo ao oceano Atlântico. Esse trajeto encurta distâncias em relação aos portos do Sul e Sudeste e reduz custos de transporte, aproveitando o potencial das hidrovias amazônicas.
No sentido contrário, Itacoatiara recebe trigo importado, usado na produção de alimentos que abastecem o mercado regional. Esses fluxos colocam o município dentro do chamado “Arco Amazônico”, conjunto de rotas que, em 2024, escoou mais de 30 milhões de toneladas de grãos, cerca de 23% do total exportado pelo Brasil.
Mesmo com os impactos da seca severa de 2023 e das restrições à navegação em 2024, o setor aquaviário brasileiro movimentou 1,32 bilhão de toneladas naquele ano. Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a Região Norte teve uma leve queda de 4% na movimentação total, mas manteve os grãos como base de sua economia e principal motor logístico.
Operação Emergencial
Mas foi durante a severa estiagem de 2024 que Itacoatiara demonstrou, de forma incontestável, sua capacidade estratégica. Diante da baixa dos rios, os grupos Chibatão e Super Terminais instalaram píeres flutuantes para garantir a continuidade do transporte de cargas, iniciativas que se tornaram marcos na logística amazônica.
Segundo o Grupo Chibatão, o processo de implantação do píer flutuante foi conduzido de maneira técnica e articulada com os órgãos reguladores. “Obtivemos autorização da Marinha, do Ipaam e da Receita Federal dentro de um processo transparente e criterioso”, informou o grupo à PIM Amazônia. A Marinha do Brasil concedeu a autorização preventiva em maio de 2024, e em agosto, a Receita Federal publicou a “Operação Aduana Flutuante”, que formalizou o funcionamento do sistema com exigências de monitoramento por câmeras e rastreamento via GPS, garantindo segurança jurídica e controle ambiental.
Durante os três meses de operação, 58.944 contêineres foram movimentados pelo píer do Chibatão, assegurando o fluxo de insumos e produtos para o PIM. A estrutura foi determinante para evitar prejuízos estimados em mais de R$ 1,4 bilhão, permitindo o abastecimento regular de alimentos, combustíveis e produtos industriais, mesmo com o nível do rio em índices críticos.
A companhia reforça que o sistema foi sustentado por tecnologias ambientais e operacionais avançadas, como internet via satélite, monitoramento remoto e gestão de resíduos, seguindo rigorosamente as normas da Marinha e do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). Segundo o grupo, o sucesso da operação motivou a implantação de uma estrutura permanente e ampliada, com 240 metros de extensão e três guindastes de alta capacidade, projeto que consolida uma solução emergencial em legado estrutural para a navegação amazônica.
Em paralelo, a Super Terminais desempenhou papel decisivo ao instalar um píer flutuante de 240 metros de comprimento e 34 metros de calado, com capacidade para operar 24 horas por dia e ritmo médio de 36 movimentos por hora. Entre setembro e dezembro de 2024, a estrutura movimentou mais de 33 mil contêineres e 840 mil toneladas de carga, mantendo o abastecimento da Zona Franca de Manaus e a exportação de produtos industrializados.
De acordo com a empresa, o investimento total de R$55 milhões incluiu estudos de batimetria, infraestrutura de apoio técnico e equipamentos de alta performance, como guindastes Konecranes ESP10 e geradores de 500 kVA. A área de 300 mil m² adquirida exclusivamente para o projeto garantiu acesso rodoviário asfaltado, energia própria e monitoramento em tempo real, assegurando a continuidade das operações mesmo nos níveis mais baixos do rio.
Para o grupo Super Terminais, a experiência consolidou um modelo de contingência para futuras estiagens, capaz de ser reativado em situações extremas. “O sistema flutuante mostrou eficiência comparável à do porto de Manaus e comprovou a viabilidade técnica de uma operação modular e sustentável”, destacou a empresa.
Como resultado dessas medidas emergenciais, o Amazonas conseguiu preservar o ritmo econômico. Os píeres flutuantes em Itacoatiara evitaram a interrupção de operações industriais, asseguraram a chegada de insumos e permitiram que o Amazonas alcançasse US$13,7 bilhões em importações até outubro de 2024, superando o volume do ano anterior. A operação também manteve fábricas em funcionamento e empregos preservados, evitando um colapso logístico que afetaria toda a região Norte.
Todas essas mudanças econômicas impactaram significativamente a cidade de Itacoatiara. No entanto, para entender como isso, de fato, interferiu no cotidiano administrativo do município, a equipe de reportagem da PIM Amazônia entrou em contato com a Prefeitura de Itacoatiara para mais esclarecimentos sobre o cenário, mas, até o fechamento desta matéria, não obteve retorno.
Logística e Planejamento Sustentável
Embora as operações com píer flutuante em Itacoatiara tenham sido decisivas para manter o fluxo de cargas durante a estiagem de 2024, o modelo, eficiente em caráter emergencial, não deve se tornar uma solução permanente.
O especialista em logística portuária Luiz Augusto Rocha, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), destaca que o píer flutuante cumpriu um papel decisivo ao viabilizar o transporte de contêineres e garantir o abastecimento de Manaus quando o nível dos rios atingiu marcas críticas. No entanto, ele classifica a estrutura como “provisória por natureza”, apontando que a operação apresenta riscos ambientais e de segurança elevados, além de carecer de um marco legal consolidado.
“Você tem um píer flutuante no meio do rio, com trânsito intenso de navios fazendo transbordo. Imagine um vazamento de combustível, um contêiner caindo na água, é uma operação de altíssimo risco ambiental”, alerta Rocha.
Segundo ele, todas as licenças emitidas para a operação foram concedidas em caráter emergencial, sem regulamentação específica para o funcionamento contínuo desse tipo de estrutura. “Enquanto solução temporária, ela foi essencial e bem-sucedida. Mas dar continuidade a isso seria temerário. Não há segurança nem amparo legal para transformar uma operação emergencial em algo permanente”, completa.
Em entrevista divulgada no canal de YouTube do vice-presidente da Fieam, em setembro de 2024, o diretor-executivo do grupo Chibatão, Jhony Fidellis, apresenta os principais parâmetros operacionais do píer flutuante em Itacoatiara e reforça sua função central na logística frente à estiagem. Ele destaca que a estrutura emergencial permitiu manter o escoamento quando o nível do rio atingiu patamares críticos, e revela que todo o processo foi conduzido em articulação com os órgãos reguladores para garantir conformidade técnica e segurança.
A entrevista reforça o caráter temporário da operação e serve como complemento visual e documental à análise técnica apresentada pelo especialista Augusto Rocha, evidenciando como a adaptabilidade logística foi essencial enquanto se planejam soluções definitivas para a navegação amazônica.
Fidellis deixa claro, na entrevista, que o Amazonas precisa avançar da improvisação para o profissionalismo logístico, com base em estudos técnicos e obras estruturantes. A prioridade deve ser compreender as causas das restrições de navegabilidade no rio Madeira, principalmente na região do Tabocal, e desenvolver soluções definitivas para aprofundar e estabilizar o canal.
Como proposta, o especialista sugere a criação de um laboratório hidrogeológico amazônico, um centro de pesquisa que reuniria o Serviço Geológico do Brasil (SGB), a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O objetivo seria mapear as condições geológicas e hidrodinâmicas do rio, modelar cenários de dragagem e erosão e definir, com base científica, o tipo de intervenção mais adequada.
Rocha observa que o investimento necessário para o laboratório, cerca de R$ 15 milhões, é mínimo se comparado aos R$ 180 milhões já aplicados em dragagens emergenciais pouco eficazes. Ele destaca que com uma fração desse valor, o estado do Amazonas poderia gerar conhecimento técnico suficiente para resolver o problema de forma duradoura e segura.
O Futuro da Hidrovia Amazônica
Após um ciclo de improvisos impostos pela seca de 2024, o setor entra agora em uma fase de consolidação de projetos que pretendem transformar soluções emergenciais em infraestruturas definitivas e planejadas.
Um dos exemplos é o Porto Verde, projeto da Super Terminais, que, neste ano, recebeu autorização da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) como Terminal de Uso Privado (TUP) em Itacoatiara. O investimento previsto de R$150 milhões prevê a instalação de uma estrutura flutuante permanente, equipada com tecnologia de operação sustentável e capacidade para movimentar até 2.100 toneladas por hora. A expectativa é que o terminal comece a operar em janeiro de 2026, consolidando a cidade como um dos principais polos logísticos do Norte.
O projeto integra uma rede crescente de novos corredores hidroviários na região, que inclui a recente inauguração, pela Amaggi, de um eixo fluvial partindo de Caracaraí, em Roraima. A rota representa um avanço significativo para o agronegócio e demonstra como a navegação pode se tornar o pilar de uma logística mais eficiente, com menor custo energético e impacto ambiental reduzido.
Esses dois empreendimentos revelam que, com investimentos em infraestrutura, inovação e conectividade, a região caminha para fortalecer seu papel no sistema multimodal brasileiro, conectando hidrovias, rodovias e o Polo Industrial de Manaus.
Mesmo com os avanços, como alerta o especialista Augusto Rocha, o futuro logístico da região depende de equilíbrio entre avanço e responsabilidade. O sucesso dessas obras estará diretamente ligado à governança ambiental, ao monitoramento técnico dos rios e à capacidade de planejamento integrado.
