MPF quer suspensão do licenciamento ambiental para exploração de gás e petróleo no AM

Órgão questiona licenciamento ambiental concedido à empresa Eneva pelo Ipaam, no Complexo do Azulão, e pede envolvimento do Ibama e consulta prévia aos povos indígenas e comunidades extrativistas
Complexo do Azulão em Silves, AM. Foto Eneva/ Divulgação

Da Redação, com informações do MPF

A petição entregue à Justiça Federal solicita, com urgência, a suspensão imediata de todos os processos de licenciamento ambiental perante o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) para a empresa Eneva S/A e suas subsidiárias na região dos municípios de Silves e Itapiranga, no Amazonas, área também conhecida como Complexo do Azulão. O Ministério Público Federal (MPF) solicita, ainda, que seja suspensa a exploração de poços de gás e/ou petróleo em áreas que se sobreponham aos territórios indígenas, extrativistas e de povos isolados impactados pelo empreendimento, que tenham sido apontados em relatório elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

No documento, o MPF também pede a suspensão de eventuais licenciamentos conexos à exploração de petróleo e gás, como linhas de transmissão, transporte de materiais inflamáveis, estradas e rodovias, e a determinação de que possíveis novas licenças ambientais sejam expedidas somente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Para o MPF, o Ipaam não possui competência para o licenciamento ambiental de atividade complexa e sensível e que impacta diretamente o modo de vida de comunidades indígenas e ribeirinhas.

Segundo os procuradores, os pedidos tomaram por base informações colhidas no inquérito conduzido pelo órgão sobre os possíveis impactos a povos indígenas e comunidades tradicionais decorrentes da exploração de petróleo e gás na Bacia do Amazonas. O Ministério Público informou que também acompanha o processo de criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Saracá-Piranga, no município de Silves – onde a termelétrica pretende ser instalada juntamente com todo o complexo do Azulão – e a garantia dos direitos das comunidades envolvidas.

Consulta prévia – Segundo informações divulgadas pelo MPF, “Desde 2022, indígenas e populações tradicionais apontam uma série de problemas referentes à implantação do ‘Complexo Azulão’ na região. Eles reclamam que não foram consultados sobre o projeto, o que contraria a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”. A situação levou duas associações locais a ajuizarem ação civil pública na Justiça, na qual foi expedida a petição do MPF, exigindo a realização da consulta e do estudo de componente indígena.

O MPF diz ainda que, “além de não terem informações sobre as decisões referentes à implantação projeto, as comunidades carecem de esclarecimentos acerca de eventuais impactos nos seus modos de vida, bem como sobre medidas compensadoras, mitigadoras ou indenizatórias”. Segundo os procuradores federais, lideranças da região e o Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos do Amazonas (PPDDH/AM) teriam informado ainda “sobre pressões e ameaças recebidas por indígenas e representantes de povos tradicionais locais, em razão das críticas à construção do empreendimento.”

De acordo com o MPF, “o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) publicado na página do Ipaam menciona apenas os territórios indígenas homologados na região, sem fazer qualquer referência aos demais territórios indígenas e tradicionais, existentes no município de Silves e Itapiranga, potencialmente impactados pela termelétrica.”

O órgão informa ainda que, “já nos meses de agosto e setembro de 2023, além do MPF, o Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) recomendaram ao Ipaam e à Eneva S/A que fossem suspensas as audiências públicas, onde seriam apresentados os projetos do Complexo do Azulão, devido à grave situação e às irregularidades em andamento e relacionadas ao empreendimento. A Funai também chegou a recomendar a suspensão do licenciamento até que fossem realizados os estudos do componente indígena do licenciamento ambiental. Contudo, nenhuma das recomendações do MPF, Funai ou do Ministério foram atendidas pelo Ipaam ou pela Eneva.”

Caso os pedidos de urgência feitos não sejam deferidos pela Justiça, o MPF solicita que o Ipaam fique impedido de expedir qualquer licença ambiental no âmbito do complexo do Azulão em Silves e Itapiranga. Além disso, que o Ipaam e o Ibama não emitam qualquer licença de atividade no local sem a consulta prevista na Convenção 169 da OIT aos povos indígenas e extrativistas da região, e sem que sejam realizados e analisados o Estudo de Componente Indígena pela Funai e os estudos quanto aos povos isolados que podem habitar a região.

Comunidades impactadas – Conforme os dados divulgados pelo MPF, o Complexo do Azulão deve impactar a vida de pelo menos 190 famílias indígenas e de comunidades tradicionais da região, como populações ribeirinhas e extrativistas. Além disso, “um relatório elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Igreja Católica, no final de 2023, apontou para a existência de grupo indígena em isolamento voluntário, denominados como povos isolados, que também sofreriam com o impacto do empreendimento.”

Os procuradores pontuam que uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) estabelece que, mesmo sem confirmação oficial da Funai, “onde houver possibilidade de presença de povos isolados” devem ser iniciadas medidas ágeis e provisórias de proteção, considerando o alto risco de morte para tais povos.

O que dizem Ipaam e Eneva – A PIM Amazônia entrou em contato com o Ipaam e com a empresa Eneva, para ouví-los sobre a solicitação do MPF à Justiça Federal. Até a publicação desta reportagem, o Ipaam ainda não havia se manifestado. Já a Eneva, em nota, ressaltou que as licenças ambientais da empresa no complexo de Azulão, no Amazonas, seguem vigentes, conforme decisão das instituições responsáveis. A empresa afirmou aindao juiz da 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária, Rodrigo Melo, “não deferiu o pedido do Ministério Público Federal realizado na ação civil pública sobre o tema”. Segundo a empresa, o magistrado deu um prazo de 15 dias para as partes se manifestarem no processo. A empresa informou ainda que “não foram identificadas comunidades tradicionais indígenas e/ou quilombolas na área do Campo de Azulão, conforme as bases oficiais da FUNAI e INCRA, que regulamentam a definição no Brasil”. Veja, abaixo, a íntegra da nota enviada pela empresa.

“Na última sexta-feira dia 9/2, o juiz da 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas (SJAM), Rodrigo Melo, não deferiu o pedido do Ministério Público Federal realizado na ação civil pública sobre o tema. O juiz definiu ainda que novas informações agregadas ao processo devem ter anuência das partes, fazendo referência ao relatório da CPT – Comissão Pastoral da Terra – que relata a eventual existência de indígenas isolados na área do empreendimento. O juiz concedeu prazo de 15 dias para as partes se manifestarem no processo.

É importante destacar que não foram identificadas comunidades tradicionais indígenas e/ou quilombolas na área do Campo de Azulão, conforme as bases oficiais da FUNAI e INCRA, que regulamentam a definição no Brasil. Dessa forma, não há o que se falar de ausência de estudos indígenas ou quilombolas, pois não há previsão legal para tal.

Informação técnica da FUNAI, de setembro do ano passado, consta que a terra indígena mais próxima fica a cerca de 27,85 quilômetros do empreendimento, segundo análise cartográfica nº 2315/2023. Portanto, não há terra indígena demarcada ou em estudo na área do empreendimento.

A Eneva reitera que os procedimentos de licenciamento seguiram todas as etapas necessárias, incluindo a realização de audiências públicas e a expedição de licenças de instalação e operação conforme as exigências legais. Atualmente, o gás produzido na unidade de Silves abastece uma geradora de energia elétrica que substitui geração a óleo combustível e óleo diesel que atende mais de 50% de toda a energia consumida no estado de Roraima.

A Eneva, uma empresa listada na B3 e que tem os mais altos níveis de governança, pauta sua atuação pela transparência e o diálogo próximo, bem como o cumprimento de todas as exigências legais.”

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