“O compromisso do Grupo Chibatão é tão forte com o norte do país e com o Brasil, que a cada R$ 1 que o grupo ganha, ele investe R$ 5”

Jhony Fidelis, diretor Executivo do Porto Chibatão. Foto: Divulgação

Jhony Fidelis Ramos é bacharel em administração com ênfase em gestão de negócios pela Fucapi (Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica). Começou sua carreira no segmento logístico no ano de 2005 como assistente administrativo operacional no Terminal Tomiasi que atendia a operação da Aliança Navegação. Em 2008 é convidado pela Log-in Logística para atuar como coordenador de terminais, primeiro em Manaus e depois assumindo a operação no Brasil, Argentina e Uruguai. Em maio de 2011 é convidado à assumir a gerência comercial na HTR Armazéns, empresa do Grupo Chibatão, e em 2012 assume a diretoria comercial do Porto Chibatão. Em dezembro de 2014 passa a responder como Diretor Executivo, cargo que exerce atualmente. Nesta entrevista exclusiva, Fidelis aborda os desafios da logística na região e os impactos da estiagem histórica que atinge a Amazônia.

COMO SURGIU A IDEIA DE FAZER UM PORTO PARA RECEBER NAVIOS DE CONTÊINERES EM MANAUS NA DÉCADA DE 1990?

Essa época eu não trabalhava ainda no grupo Chibatão. Mas o Sr. Passarão, fundador do Grupo, sempre falava nas reuniões de onde partiu a ideia. Na verdade, Manaus com todo o potencial de crescimento tanto do comércio quanto da indústria, tinha problema logístico. Mas o porto público acabava não tendo eficiência para suportar esse crescimento, e outros portos que tinham na região não eram desenvolvidos.

Naquela época, a única solução que tinha em Manaus era praticamente o navio chegar, ficar fundeado (parado no meio do rio) e descarregar esses contêineres para uma balsa, que navegava até a margem do rio e descarregava com empilhadeira. Então, imagina que neste período um navio que vinha para cá, com 200 contêineres aproximadamente no melhor dos cenários, passava semanas em operação [para descarregar]. Fora a questão de risco de acidentes e da saúde do trabalhador, houve muitos acidentes durante essas operações.

A Aliança Navegação, que é uma empresa que investiu muito na cabotagem no Brasil, foi uma das empresas que mais apostaram, que mais se aprofundaram aqui na região. Eles vieram buscar soluções, porque enxergaram que o rodoviário na região era muito forte, 100% do abastecimento da indústria era rodoviário, 100% do abastecimento do comércio era rodoviário e não tinha logística para suportar esse aumento de volume. Então a Aliança buscou o Sr. Passarão, que sempre foi uma pessoa muito forte, muito visionária e muito arrojada na parte de investimentos. Colocaram a ideia na cabeça dele, mas até aquele momento ele achou aquilo loucura.

Naquela época ele trabalhava somente com balsas, que operam atualmente o trecho de Porto Velho e Belém, e ele ficou pensando naquela ideia. Passados alguns meses ele começa a estudar o projeto, vai atrás de um de um engenheiro que naquela época projetava as plataformas da Petrobras no Rio de Janeiro e coloca a ideia para ele. Começa então em 1992 a construção do píer flutuante com 152 metros.

O Sr. Passarão da forma dele, fez a batimetria e identificou o ponto mais fundo do rio, verificando que seriam necessários 300 metros de ponte entre margem do rio até o local mais profundo onde tivesse condição do navio atracar, e projetou uma ponte fixa de 150 metros e uma ponte móvel de mais 150 metros, porque ele considerou o fenômeno da natureza que é a vazante do rio, ou seja, o rio passa seis meses enchendo e seis meses secando.

Naquele momento, todo mundo que não tinha visto esse tipo de operação, rotulou o Sr. Passarão de louco, e começaram as perseguições de outros portos que já operavam na região, e não queriam concorrência. Então daí surgiu essa ideia de fazer o porto flutuante para receber os navios.

OS PORTOS DE MANAUS SÃO OS ÚNICOS NO MUNDO ONDE OS NAVIOS ATRACAM EM PIER FLUTUANTE. QUAL A DIFERENÇA DESTE TIPO DE OPERAÇÃO PARA O PÍER FIXO?

Manaus tem uma operação de porto para contêiner diferente de qualquer parte do mundo. Em função disso, hoje o píer onde atracam os navios aqui no Porto Chibatão supera 1 mil metros lineares, ou seja, tem mais de um quilômetro de píer. Por isso que nós demos o nome do píer de Porta Navios, porque é o único lugar do mundo onde atraca oito embarcações ao mesmo tempo, e que opera três embarcações simultaneamente.

Ou seja, Manaus, por tudo que foi feito pelo Sr. Passarão, é o único local hoje onde pode-se ter um backlog, pode-se ter cargas que não conseguiram chegar em Manaus, mas é o único lugar onde os navios conseguem chegar e consegue atracar um, dois, três, quatro, cinco, seis navios e sair operando de três em três, em função de tudo isso que foi montado. Mas essa operação em um porto flutuante, só vai ter em Manaus.

A principal diferença falando de Brasil é que os portos do sul, sudeste e nordeste, os navios atracam praticamente no pátio que fica na margem do mar. A partir do momento que se tem um navio atracando em um pátio, em uma estrutura sólida e não flutuante, se tem condição de colocar equipamentos mais modernos para se operar de uma forma mais segura e automaticamente, tem uma maior produtividade. Fato é que se for comparar a produtividade dos portos do sudeste, sul, norte e nordeste, a dos portos do sudeste sempre superam.

Aqui em Manaus temos ainda o agravante das pontes de acesso. Quanto mais o rio secar, maior a inclinação da ponte, quanto maior a inclinação da ponte, menor agilidade vai ter o caminhão nesse trajeto de levar um contêiner do pátio para o navio, ou trazer o contêiner do navio para o porto.

QUAIS OS PRINCIPAIS AVANÇOS NA ESTRUTURA LOGÍSTICA DO AMAZONAS NOS ÚLTIMOS 10 ANOS?

O Sr. Passarão sempre teve uma visão muito de futuro. Cada viagem que ele fazia, mesmo em férias, ele sempre buscava visitar portos ou passar em áreas portuárias para enxergar o que tinha de novo. Praticamente tudo o que ele via de novo, tudo o que apresentavam de novo, ele parava para estudar, ele viajava para checar como o equipamento funcionava.

Nos últimos dez anos, não somente o Porto Chibatão, mas todas as empresas do Grupo passaram por diversas atualizações de tecnologia para melhor atender o mercado. Por exemplo, o primeiro guindaste Post-Panamax a operar na região Norte foi o LBS 600, no Porto Chibatão. Esses guindastes trouxeram uma eficiência enorme para o Amazonas. Manaus tinha produtividade entre cinco movimentos por hora, e doze movimentos por hora, no melhor cenário. E fora a questão que havia limitação para receber navios maiores. O investimento nesses guindastes, em 2016, deu condição para que o Amazonas recebesse navios com maior capacidade de carga.

O Porto Chibatão também não parou por aí. Tivemos diversos investimentos voltados à tecnologia, como por exemplo o pátio virtual. Antigamente, tinha um processo no norte do Brasil em que os portos não tinham um sistema de inventário, ou um sistema de localização de contêiner dentro da área alfandegada. Com o pátio virtual, o sistema de endereçamento, com treinamento de operadores que recebem carga no pátio e entregam carga no pátio, o tempo de atendimento que antes ficava em torno de seis horas, hoje no Porto Chibatão no pior dos cenários, temos um container da fábrica sendo entregue para o Porto ou um contêiner do comércio sendo entregue para o supermercado no tempo médio máximo de 28 minutos.

Avançando um pouco mais, temos a Tomiasi Logística de Projetos, com guindastes modernos que foram adquiridos, como por exemplo, o guindaste da marca Terex com capacidade de 500 toneladas, é o único guindaste hoje da região Norte e Nordeste a ter capacidade praticamente de atuar em grandes obras e em operações complexas.

Já a JF de Oliveira é a empresa de navegação do Grupo, que hoje está sendo uma peça fundamental nesse momento de estiagem da região amazônica. Se o Amazonas hoje não está desabastecido de produtos, principalmente alimentos, é em função desde o tempo do Oliveira. O Sr. Passarão fez muitos investimentos em novas embarcações, tanto em 2022 quanto no início de 2023. E essas embarcações estão para lá e para cá a todo momento, para que não falte nada no Amazonas.

A TR Logística há anos tinha capacidade para transportar 120 contêineres por dia. Hoje, a capacidade da TR é de transportar até 240 contêineres por dia. Podemos fazer mais? Podemos. Porém, nós temos uma diretriz que o Sr. Passarão deixou: “Se é para atender, atenda com qualidade”.

ATUALMENTE QUAL O VALOR DO INVESTIMENTO FIXO DO PORTO CHIBATÃO?

Eu vou te falar um dado muito importante. O compromisso do Grupo Chibatão é tão forte com o Norte do País e com o Brasil, que a cada R$ 1 que o Grupo ganha, ele investe R$ 5.

“A solução imediata hoje é a dragagem do rio”. Jhony Fidelis

COMO ISSO É POSSÍVEL?

Nós entendemos que a empresa hoje é mais pública do que privada. O Porto Chibatão não é uma empresa privada, é um patrimônio da Amazônia, é um patrimônio do Brasil. Os dados que dizem, se você pegar o ano 2.000, quando nem sequer tinha Porto Chibatão, e olha que já tinha a Zona Franca de Manaus, já tinha comércio, Manaus movimentava 88 mil TEUs por ano. O Amazonas sempre teve potencial, mas nunca teve infraestrutura logística.

Se o Grupo, na época do sr. Passarão e hoje, fosse se preocupar com Payback, o Amazonas não teria a infraestrutura portuária que tem hoje. O Porto Chibatão é o porto mais novo da região. Se o Sr. Passarão não tivesse essa cabeça, essa paixão pelo Estado, e não tivesse esse foco em investimento, se ele ganhasse R$ 1 ele investiria R$ 0,10. Se nós temos um endividamento é em função de que se olhou muito mais para o lado do investimento para atendimento do mercado do que sobra de recurso.

QUAIS OS IMPACTOS DA ESTIAGEM HISTÓRICA DESTE ANO NAS OPERAÇÕES DA COMPANHIA?

Este ano a estiagem superou a de 2010. É algo muito triste, porque não falamos de estiagem na Amazônia, não falamos sobre esses pontos críticos. Não é algo novo, no mínimo já se fala sobre isso nos últimos dez, quinze anos, infelizmente, nós tivemos e temos aí uma grande falta e uma grande efetividade do poder público, efetividade principalmente do governo federal, que realmente não enxerga isso como algo importante.

A enseada do Madeira hoje é o principal problema. Hoje lá está com 7,30m de profundidade, dia 18 de outubro. Em 2020 os práticos já apontavam que o assoreamento lá estava algo além do normal. Todo momento se falava nisso, anualmente se fala nisso, ano passado a restrição já foi maior, comparado a 2021, quando a restrição dos navios chegava a 20%. No ano passado chegou a 60% de restrição em cada navio. Então, ano passado já apontava que esse ano ia ser bem diferente. Lamentavelmente nada foi feito.

Pela primeira vez na história, temos praticamente o mês inteiro que os navios não conseguem passar. Foi a primeira vez que as empresas tanto de cabotagem quanto de importação suspenderam 100% a navegação. O impacto não é somente para o Grupo Chibatão. O impacto é para o Amazonas inteiro, para Boa Vista e até mesmo para a Venezuela. Porque muitas das cargas de alimentos que chegam para a Venezuela chegam via Manaus.

A movimentação mensal é de, aproximadamente, 30 mil contêineres chegando e saindo de Manaus, ela vai para zero. Você vai me perguntar, mas Jhony e as balsas que estão levando contêiner? As balsas estão saindo de Manaus com 80 containers e 100 containers, não representa 1% da movimentação mensal do Amazonas.

Então o impacto é gigantesco. Infelizmente, implica na questão social. Hoje pela manhã eu conversei com várias fábricas e eles infelizmente vão dar férias coletivas. A princípio são mais de 30 empresas que param na semana que vem e outras começarão a demitir pessoas. O impacto é para todos. Você imagina quanto é que o Estado vai deixar de arrecadar em ICMS, quanto que vai perder com o faturamento do Polo Industrial de Manaus.

QUAIS SÃO AS MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA RESOLVER O PROBLEMA DA NAVEGAÇÃO NOS RIOS DA AMAZÔNIA NO PERÍODO DE SECA?

Apesar de ter tido e ainda estar tendo várias reuniões para falar sobre soluções, infelizmente no momento só tem uma: Dragar o pior cenário, a Enseada do Madeira, um quilômetro de dragagem. Esse é o trecho de um quilômetro. Se o governo colocar uma draga hoje, e fizer um trabalho de uma semana, Manaus já passa a receber 6 mil contêineres por semana. Praticamente minimiza o problema em quase 50%. O único ponto é esse, estamos discutindo várias outras ações, como por exemplo vamos abrir a BR-319. Nós sabemos que a BR-319 é uma obra social. Qual é a estrada que suporta todo esse trânsito de caminhão? Sem falar na questão ambiental, que se fala tanto hoje. A solução imediata hoje é a dragagem do rio.

ALÉM DA DRAGAGEM DOS RIOS, O QUE PODERIA SER FEITO PARA MELHORAR A LOGÍSTICA NA REGIÃO AMAZÔNICA?

Além da dragagem, os nossos rios não são sinalizados, isso é um ponto muito importante. Então, apesar de todos encontrarem o problema no prático, o trabalho que ele faz é extraordinário, porque é um rio que não tem sinalização nenhuma. Então, o primeiro ponto é a dragagem, e o segundo ponto é sinalizar. A gente não fala que os nossos rios são as nossas estradas? Então vamos sinalizar as nossas estradas, que são os rios. Vamos cuidar.  Vamos aprofundar os trabalhos.

Outro ponto, já viu como é o trânsito de cargas em Manaus? Ruas estreitas, falta de sinalização, falta de fiscalização. Ainda conseguimos enxergar caminhões trafegando em Manaus sem a mínima condição de segurança, tanto carreta quanto caminhão. Então eu acredito que é um efeito cascata em conjunto, melhora os rios, mas melhora também a mobilidade urbana, com um plano diretor adequado à uma cidade industrial. Eu vejo também que o município, o estado, deveriam se aproximar um pouco mais da logística, entender, participar. Nós não temos participação do município, do estado, com os portos para discutir soluções.

QUAIS OS PRINCIPAIS MOMENTOS NA SUA CARREIRA QUE FORAM DECISIVOS PARA CHEGAR À SUA POSIÇÃO ATUAL?

Antes de eu trabalhar no segmento logístico, eu trabalhava como ajudante de pedreiro numa obra do Senai na avenida Buriti, no Distrito Industrial. Esse é um ponto bem importante e eu conto isso com muito orgulho. Eu tenho um primo que acabou se inscrevendo no projeto do IEL para estagiário. E eu participei de um processo de entrevista para ser embalador de produto na Amazon Ervas, e naquele momento eu participei de outro processo de entrevista para a Tomiasi Transportes, que naquela época era do Daniel Tomiasi, que fazia o processo de armazenagem e reparo de contêineres da Aliança Navegação.

Essa história é bem legal porque um colega que estava comigo na entrevista passou também para a Tomiasi Transportes. Aí conversando, ele também foi aprovado na minha área na Amazon Ervas, e não queria ficar na Tomiasi. E eu comecei assim, como auxiliar administrativo na Tomiasi. Eu fazia todo o processo administrativo de registro do contêiner que entrava no terminal e registro do conteúdo que saia do terminal.

Posteriormente um novo gerente que entrou lá, chamado Messias, me convidou para trabalhar na parte técnica de contêiner, fazendo estimativa de contêineres avariados. Eu fazia o orçamento de serviço a ser realizado, e aí eu comecei a me identificar com a parte de trabalhar com contêiner, entender um pouco mais.

Em 2006 veio um Armador novo para Manaus, que era a antiga Docenave que depois abriu capital e virou a Login Logística, onde naquela época a subsidiária da Login Logística era a Vale. Eu participei de todo o processo, naquela época eu já fazia faculdade, eu acabei sendo reprovado porque não tinha carteira de motorista. Mesmo com a minha reprovação, de todos os que participaram do processo eu era a pessoa mais técnica, porque eu já trabalhava como técnico e eles estavam vindo para Manaus e precisavam de alguém técnico.

Depois me chamaram novamente e fui reprovado de novo. Na terceira vez eu fiquei, e acabei indo trabalhar na Login Logística, que é o armador de contêiner. É um momento bem bacana na minha carreira. E aí o outro ponto decisivo foi quando eu recebi o convite da Login para trabalhar de forma corporativa, não respondendo mais somente para as operações do Amazonas e sim para as operações do sul, sudeste e nordeste. Foi um momento que eu tive que decidir deixar meu Estado de origem, que eu sou de São Paulo de Olivença, para realmente aprender um pouco mais lá fora. Porque ser feliz é uma escolha, é uma escolha diária. Ser forte é uma escolha diária. Ser profissional também é uma escolha diária, porque diariamente você é tentado, diariamente você é convidado a lidar com pessoas boas, pessoas ruins, pessoas corruptas. Então ser profissional também é uma escolha diária, porque você tem que olhar para aquele lado, entender e falar: eu vou tirar daquela pessoa o que é bom e o que não é bom eu deixo para depois.

Entrevistas

Rolar para cima