Os desafios para ter um agronegócio sustentável na Amazônia

Para marcar o Dia da Amazônia, a PIM preparou uma série de reportagens com o objetivo de entender os “Caminhos para preservar e produzir na região”. Acompanhe, ao longo de todo o mês de setembro
Colheita de Milho em Mato Grosso. Foto: Gabriel Rezende/Embrapa

No mês em que se comemora o Dia da Amazônia (5/9), Conversamos com diferentes especialistas sobre modelos econômicos locais e de que forma eles geram impactos para as populações que ocupam o território, além de saber como é possível evoluir para modelos menos predatórios à medida em que se estimula o crescimento de soluções que mantenham a floresta em pé, valorizando a bioeconomia e crescimento de quem vive e trabalha na região.
É possível avançar com as peças que já compõem o sistema econômico atual, ou é preciso encaixar novas variáveis nesse quebra-cabeça para fazer da Amazônia um lugar mais próspero?

A fim de dar início a essa série, vamos discutir o atual cenário do setor de grãos na Amazônia Legal, estando nela o maior estado do setor, o Mato Grosso, uma unidade federativa vasta, composta também pelo Cerrado e parte do Pantanal. Diante desse cenário, é fundamental entender quais as perspectivas e desafios do setor agrícola frente aos incentivos do Governo Federal em promover um agronegócio menos predatório, somado ao investimento na bioeconomia na região amazônica.

O Mato Grosso, na região Centro Oeste do Brasil, destaca-se, principalmente, na produção de soja, milho e algodão. Outros estados da Amazônia Legal, como Rondônia, Tocantins, Maranhão e Pará também vêm registrando crescimento, ainda que em escala menor, em produções de grãos, como soja, milho e arroz.

Em 2023, o Brasil já prevê recorde na agricultura. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a estimativa da produção de grãos para a safra 2022/23, com a pesquisa de campo realizada na última semana de julho, aponta para um volume de 320 milhões de toneladas, o crescimento é de 17,5% acima da safra 2021/22.

Vale ressaltar que, no primeiro trimestre de 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) do setor agropecuário brasileiro, calculado em colaboração entre o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), registrou um leve aumento de 0,19%.

Considerando-se também o comportamento do PIB brasileiro no período, o Cepea/CNA estima que a participação do setor na economia fique próxima de 24,5% em 2023, correspondendo a quase um quarto da economia nacional.

Embora se perceba um crescimento do setor em 2023, os produtores de grãos ainda se deparam com uma série de desafios logísticos que impedem uma expansão em termos de lucratividade. Gargalos nas rotas de transporte, armazenamento e infraestrutura geram desperdício e afetam grandes e pequenos produtores de todo o Brasil.

A PIM Amazônia entrou em contato com a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Sindicato Rural de Sinop e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com a intenção de ouvir representantes do setor, porém, até, o fechamento desta edição, não recebeu retorno.

O agronegócio enfrenta o desafio de seguir crescendo de modo menos predatório, preservando a floresta e respeitando os povos da região. Foto: Flavio Forner

Produtores que utilizarem práticas mais sustentáveis pagarão taxas de juros menores

Paralelo aos desafios logísticos, reforça-se uma outra provocação para o setor agrícola: o de crescer de modo menos predatório, diminuindo os índices de contribuição ao desflorestamento e se utilizando de tecnologias favoráveis ao meio ambiente.

Quase 96% de todos os desmatamentos validados pelo Map Biomas Alerta em 2022, no Brasil, foram provenientes de ações relacionadas à agropecuária.

Só em 2022, de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a Amazônia bateu o quinto recorde anual consecutivo de desmatamento. Entre janeiro e dezembro, foram devastados 10.573 km², a maior destruição em 15 anos — desde que o instituto de pesquisa começou a monitorar a região, em 2008. O valor equivale à derrubada de quase 3 mil campos de futebol por dia de floresta. Dos estados que mais desmataram estão, em ordem decrescente, o Pará, o Amazonas e o Mato Grosso.

Em 2023 os números melhoraram. Em agosto, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgou que nos primeiros sete meses de 2023, o desmatamento na Amazônia teve queda de 42,5%, se comparado ao mesmo período do ano passado. Contudo, ainda é cedo para afirmar que essa é uma tendência consolidada.

Como forma de incentivar um modelo agro aliado à sustentabilidade, o Governo Federal lançou em junho o Plano Safra 2023/2024, com R$364,22 bilhões para o financiamento da agricultura e da pecuária empresarial no país. Segundo a Agência Brasil, o crédito vai apoiar grandes produtores rurais e produtores enquadrados no Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp).

Durante o lançamento do Plano, o presidente Lula, destacou que o setor produtivo não pode ser “predador” das riquezas naturais do país, que são um bem para as futuras gerações. “Nós não precisamos desmatar nada para criar mais gado, para plantar mais soja, nós temos possibilidade de recuperar milhões de hectares de terra degradadas que esse país tem”, afirmou Lula.

O governo tem como meta principal do Plano Safra promover o fortalecimento de sistemas de produção ecologicamente viáveis. Isso envolve a diminuição das taxas de juros para a restauração de pastagens e o oferecimento de incentivos aos agricultores que optam por práticas agropecuárias mais sustentáveis.

A Cúpula da Amazônia, que aconteceu nos dias 8 e 9 de agosto, na capital do Pará, Belém, e reuniu representantes de 15 países, discutiu, entre pautas a respeito do desmatamento ilegal, combate ao crime organizado, propostas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Embora a Declaração de Belém, documento resultante da Cúpula, não tenha trazido, de fato, ações concretas para se alcançar as metas estabelecidas, ela mostra um grande interesse do Governo Federal em investir em um modelo de transição econômica mais sustentável, que utiliza braços da bioeconomia e do conhecimento tradicional dos povos da floresta para o crescimento da região.

O grande desafio em questão é entender como trabalhar nessa transição de modo a não ignorar as riquezas geradas pelo agro, mas apropriando a ele também novas técnicas de produção.

Paulo Barreto, pesquisador da Imazon. Foto: Glaucia Barreto

“Precisa desmatar para plantar soja? A resposta é não”

Paulo Barreto, pesquisador da Imazon, acredita na possibilidade de um agro mais sustentável, em que as plantações aconteçam em locais apropriados, elevando ao máximo seu nível de produtividade. “Precisa desmatar para plantar mais soja? A resposta é não, já temos muitas áreas desmatadas na Amazônia e no Cerrado. Então, dá pra fazer um agro melhor, em áreas já desmatadas”, pontuou Barreto.

Ele explica que o tamanho de área desmatada para a agropecuária não é proporcional aos níveis de produtividade observados. Barreto aponta que se as técnicas necessárias para o aumento dessa produtividade fossem aplicadas corretamente, até 2030, nas áreas já desmatadas, poderia sobrar um território em torno de 37 milhões de hectares de áreas em desuso para manutenção de outras atividades aliadas à sustentabilidade. “Isso tem uma ligação direta com a bioeconomia, pois grande parte dessas áreas poderiam ser utilizadas para restauração florestal, por exemplo”, destacou o pesquisador.

Porém, essa restauração e a utilização de diferentes braços da bioeconomia precisa ser feita de forma inteligente. Paulo ressalta que não bastaria usar todos esses 37 milhões de hectares para o plantio exclusivo de cacau, por exemplo, até porque não existe uma demanda de mercado que corresponda a um investimento como esse. Para se ter ideia, a área total de cacau no mundo é de 12 milhões de hectares. O que ele quer dizer, é que não basta apenas plantar por plantar, é preciso estabelecer estudos para entender o uso estratégico do território para seu melhor aproveitamento.

“Dá pra ganhar muito mais dinheiro (do que se ganha hoje) com essa bioeconomia de produto como açaí, cacau e castanha. Vai gerar bastante dinheiro e bastante emprego, mas isso não vai substituir o agronegócio. É preciso fazer as duas coisas bem. Não é preciso e não se deve continuar expandindo o agronegócio de forma predatória”, esclareceu Barreto.

Bioeconomia pode beneficiar 750 mil famílias na Amazônia

É importante destacar que atividades bioeconômicas, além de trabalharem com a manutenção dos recursos da floresta, também podem trazer uma aliança entre o conhecimento científico e tradicional, beneficiando povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas que já possuem uma ligação direta com seus insumos amazônicos, e agregando ainda mais valor aos produtos produzidos por essas populações. Esse elo entre o eixo humano tradicional e o econômico é um dos pontos que caracteriza a sociobiodiversidade.

Como exemplo de instituição que pratica o incentivo às atividades sociobioeconômicas, a Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), lançou o estudo ‘Visões sobre Bioeconomia’, uma abordagem geral sobre oportunidades e desafios sobre a bioeconomia na Amazônia.

No estudo, é posto em destaque uma pesquisa da The Nature Conservancy (TNC Brasil), com apoio do Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID) e da empresa Natura, que identificou que a renda total gerada nas cadeias de valor de 30 produtos da sociobiodiversidade, no estado do Pará, representa quase o triplo do valor da produção na origem da extração.

O estudo em questão indica que, em 2019, aproximadamente 224 mil empregos foram gerados a partir desses produtos. Dos produtos, 84% eram provenientes de estruturas produtivas de base familiar.

De acordo com uma análise realizada por meio de dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Embrapa e outras instituições, e divulgada este ano pela Embrapa, ações voltadas à bioeconomia inclusiva são capazes de melhorar a vida de 750 mil famílias entre agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais que habitam a Amazônia brasileira.
Judson Valentim, pesquisador da Embrapa e um dos co-autores do estudo, explica que a bioeconomia desses recursos florestais precisa se transformar efetivamente em uma fonte de renda e de qualidade de vida para essas populações, só que para fazer isso é necessário realizar pesquisas e desenvolver soluções de inovação.

Quase 3 milhões de produtores vivem na miséria ou abaixo da linha de pobreza

Pesquisador Judson Valentim. Foto: arquivo pessoal

Segundo o pesquisador da Embrapa, Judson Valentim, dos 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários existentes no Brasil, apenas 800 mil estão na escala de médio e grande produtores que adotaram tecnologias e que têm uma boa renda. Quase 3 milhões são de produtores que vivem ou na miséria ou abaixo da linha de pobreza, sendo muitas dessas famílias dependentes de programas de complementação de renda como Bolsa Família. Existe uma carência de programas que leve as tecnologias necessárias que possam alavancar os negócios de pequenos produtores rurais.

“Você tem engenheiros agrônomos em Belém, mas quando, às vezes, você vai no município do interior não tem um agrônomo, não tem um veterinário, não tem um técnico agrícola, então, é difícil para o produtor adotar tecnologias sem ter pessoas qualificadas para poder ajudá-los a fazer essa transição”, ressaltou o pesquisador.

Dessa forma, as políticas de governo hoje usam a bioeconomia como um instrumento de inserção produtiva dessas famílias de forma a agregar valor a esse produto, o inserindo de melhor forma no mercado.

“Nosso grande desafio é vencer o que eu chamo de ‘Paradoxo da Amazônia’ que é o seguinte: você tem na Amazônia um dos maiores estoques de riquezas naturais do mundo, água, floresta, peixes e etc. No entanto, os guardiões dessa riqueza vivem em condição de pobreza ou de extrema pobreza. É um paradoxo insustentável.”, conclui Valentim.

Cooperativa indígena e quilombola é exemplo no processo de valorização local

Foi com o objetivo de valorizar a produção local que surgiu a Coopaflora, Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha Norte, presidida por Maria Daiana Figueiredo, a partir de 2022, que trabalha com produtos como a castanha, o cumaru e a copaíba. Maria nasceu em território quilombola, na comunidade Cachoeira da Pancada, no município de Oriximiná, no Pará.

Em 2019, a iniciativa se originou com o propósito de criar uma estrutura comunitária no Norte do Pará, a fim de facilitar o transporte da produção extrativista e da agricultura familiar em várias regiões. O objetivo era aumentar a disponibilidade de produtos para empresas e fortalecer a união entre os grupos étnicos na proteção de suas terras.

Daiana Figueiredo, presidente da Coopaflora. Foto: loiro Cunha/ Origens Brasil

Composta por 46 cooperados, a cooperativa faz parte do selo Origens Brasil, uma rede que promove negócios sustentáveis na Amazônia em áreas prioritárias de conservação, auxiliando no processo de comercialização e inserção de produtos no mercado. Pará, São Paulo e Rio de Janeiro são alguns estados brasileiros de destino desses produtos.

Daiana explica que antes do surgimento da cooperativa os produtores ficavam sujeitos a ação de ‘atravessadores’, negociantes que fazem uma ponte entre quem vende e quer comprar, pagando, na maioria das vezes, um preço injusto pelo produto.

“A Coopaflora veio trazer agregação de valor no nosso produto, por trabalharmos com boas práticas, ter um preço justo, para vender para o mercado tanto para o Brasil quanto para fora do Brasil. É um reconhecimento mesmo da nossa história das nossas lutas através do que a gente trabalha na floresta”, explicou a presidente.

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