Ouriço da castanha é base para produção de bioplástico no Amazonas

Projeto une comunidades, academia, empresas e organizações não governamentais para produção de alternativa com menor impacto ao meio ambiente e geração de renda para as populações locais
Ouriço da castanha-do-pará é transformado em pó, matéria-prima para a produção de bioplástico. Foto: AdobeStock

Por Gustavo Jordan, PIM Amazônia

No coração da Amazônia, um projeto se destaca ao utilizar o ouriço da castanha-do-pará (também chamada de castanha-do-brasil), como matéria-prima para um tipo especial de plástico, com menor impacto no meio ambiente e grande valor comercial. Essa iniciativa é fruto de uma colaboração entre comunidades, empresas, organizações não governamentais e pesquisadores, com foco na descoberta de uma alternativa para um dos maiores desafios ambientais da atualidade: o uso de plástico derivado do petróleo.

O projeto “Bioplástico – Estabelecimento de uma cadeia produtiva para o pré-processamento de resíduos orgânicos destinados à produção de bioplástico” começou em 2022, com trabalho de campo, pesquisa e articulação entre organizações atuantes no estado do Amazonas (veja abaixo). Uma delas é o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), a quem coube a coordenação da iniciativa, com a realização do mapeamento e desenvolvimento da cadeia produtiva necessária para a produção do bioplástico, além de um levantamento sobre as propriedades do ouriço da castanha.

“Realizamos levantamento bibliográfico para compreender se a matéria-prima escolhida continha os componentes adequados para a produção do bioplástico. Essa etapa incluiu a análise da viabilidade do material por meio de testes produtivos na academia”, explicou o líder de Produção Sustentável do Idesam, Marcus Biazatti.

O passo seguinte levou a uma parceria para a cooperação estratégica com a Associação dos Produtores Agroextrativistas da Colônia do Sardinha (Aspacs), do município de Lábrea, distante 852 km da capital, Manaus, e outras comunidades da região.

“Na escolha da melhor localidade para compor esse primeiro arranjo produtivo, que envolveria as comunidades, as organizações sociais e as cadeias produtivas existentes, consideramos o nível de formalização e formatação das cadeias já existentes, tanto para a castanha quanto para outros produtos. Nessa análise, decidimos pelo município de Lábrea, pois já possuía uma cadeia produtiva da castanha estruturada, envolvendo a participação comunitária. A organização civil estava bem-organizada e desempenhava um papel de destaque na cadeia”, explica Marcus.

Pó do ouriço da castanha. Foto: Divulgação/ Aspacs

A Aspacs ficou responsável por fazer a aquisição do ouriço das comunidades que produzem a castanha e se encarregam do processamento do pó do ouriço, dando origem à matéria-prima final. Também coube à Aspacs realizar o transporte e envio da matéria-prima para Manaus. Nesse ponto, uma empresa da Zona Franca de Manaus atua como a compradora final dessa matéria-prima, assumindo a responsabilidade pela produção do bioplástico, com base nos requisitos determinados.

A colaboração com a indústria tem sido fundamental, contando com clientes já interessados na proposta sustentável desse novo material. No entanto, segundo o Idesam, nessa fase, o trabalho seguirá com a empresa da ZFM que já é parceira no projeto. Segundo o Instituto, a ideia é implementar e executar esse projeto como um caso exemplar, visando estabelecer um padrão representativo que evidencie sua viabilidade e eficácia.

O primeiro processamento resultou em uma remessa de 500 kg de pó de ouriço de castanha, produzida na segunda semana de janeiro deste ano. Até março, a estimativa é de enviar mais 1.000 kg (uma tonelada) para a empresa compradora em Manaus.

Apesar dos desafios logísticos, o projeto vem sendo bem recebido pelas comunidades. Segundo o coordenador da cadeia de Produção dos Ouriços da Aspacs, Rogério Apurinã, cerca de 30 famílias, de seis comunidades de povos tradicionais, estão envolvidas nesta primeira etapa, realizada em Terras Indígenas (TIs) e ribeirinhas, localizadas na Reserva Extrativista (Resex) do Médio Purus.

O projeto é liderado pela World-Transforming Technologies (WTT), uma organização latino-americana focada em inovações tecnológicas com impacto socioambiental. A iniciativa também conta com o apoio financeiro do Fundo JBS pela Amazônia (FJBSA) e do Programa Prioritário em Bioeconomia (PPBIO), uma política pública da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).

Produtos criados a partir da transformação do pó do ouriço em bioplástico Foto: Equipe do projeto Bioplástico

Sucesso pode levar à ampliação de comunidades parceiras

O coordenador da cadeia de Produção dos Ouriços da Aspacs, Rogério Apurinã, destaca que a principal atividade econômica na região de Lábrea é a castanha e que, embora inicialmente o foco de atuação seja na área já mapeada, há interesse em expandir para outras áreas, envolvendo um número maior de comunidades.

“Aqui no município de Lábrea temos muitas comunidades, terras indígenas e ribeirinhos que trabalham com castanha. O forte mesmo aqui na região é a castanha. Então, nesse começo, estamos atuando em uma área específica, que abrange seis comunidades, tanto indígenas como ribeirinhas, então, há vários outros rios que ainda não exploramos, que ainda não apresentamos o projeto nessas outras áreas, mas há interesse. Já tem gente procurando”, explica Rogério.

Desafios – Os maiores desafios para o sucesso do projeto envolvem a logística, especialmente para alcançar comunidades localizadas a três dias de barco da sede do município. Por isso, a Aspacs tem um calendário específico de coleta. Inicialmente, os ouriços são direcionados a um galpão que desempenha o papel de secador, construído nas instalações da associação, no ramal do Tauaruã, próximo à cidade de Lábrea. Após passarem de seis a dez dias perdendo umidade, são transferidos para o galpão equipado com as máquinas de processamento.

A vice-presidente da ASPACS, Sandra Barros, destaca a importância da geração de renda a partir do aproveitamento de um material que, normalmente, era descartado pelos agricultores.

“As famílias que serão beneficiadas com a compra dos ouriços da castanha terão uma renda adicional que não esperavam. O que ocorre é que, à medida que transportam as castanhas, automaticamente transportarão também os ouriços. Assim, agora são duas fontes de renda para essas famílias”.

Rogério Apurinã e Sandra Barros, da Aspacs. Foto: Divulgação/ Aspacs

Projeto baseia-se no manejo sustentável dos recursos naturais

O líder de Produção Sustentável do Idesam, Marcus Biazatti, enfatiza que a metodologia empregada na formação dessa cadeia produtiva baseia-se no uso de boas práticas de manejo. Considerando a biodiversidade da floresta e visando a preservação da fauna e da flora, as comunidades não coletarão 100% dos ouriços provenientes das castanhas. Foi estabelecido que aproximadamente 10 a 15% do que encontrarem será deixado no campo.

Bizatti reforça que essa decisão, contudo, depende da experiência e conhecimento das comunidades, que já trabalham há muito tempo com castanhas. É a observação deles em relação à fauna e flora local que orientará a escolha e separação dos ouriços que serão coletados e os que serão deixados no campo.

Marcus Biazatti, líder de Produção Sustentável do Idesam. Foto: Divulgação/ Idesam

Pesquisadores buscam tornar o bioplástico ainda mais atrativo para a indústria

A utilização do pó do ouriço da castanha-do-pará para produção de bioplástico contou com um trabalho essencial, desenvolvido pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), que esteve focada na pesquisa, testes e desenvolvimento das formulações do bioplástico feito a partir do ouriço, garantindo padrões técnicos exigidos pela indústria.

O professor de engenharia de produção, Luiz Verçosa, que integra o projeto, explica a função da universidade na iniciativa: “Fomos responsáveis desde o início do projeto, em novembro de 2022, pela parte laboratorial, ou seja, pela compreensão da matéria polimérica e do material compósito. Essa fase englobou o estudo e os testes de materiais, sendo que toda essa área de pesquisa e desenvolvimento foi progressivamente desenvolvida por nós.”

Além da participação de docentes da universidade, bolsistas e voluntários, a equipe de pesquisa, que segue atuando em nova fase, também conta com a participação da professora Michele Rigon Spier, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e do professor Pedro Campelo, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), de Minas Gerais.

“A Michele está no Paraná, contribuindo para o desenvolvimento da parte de branqueamento e outros testes que não realizamos. Além disso, na Universidade Federal de Viçosa, o professor Pedro Campelo está envolvido em outra fase do projeto. Portanto, trata-se de um verdadeiro compartilhamento de conhecimento e saberes”, ressalta o professor Luiz Verçosa.

Professor Luiz Verçosa, pesquisador do projeto Bioplástico. Foto: Arquivo Pessoal

Agora, o foco dos pesquisadores está na realização de testes finais para determinar as características essenciais do material, incluindo textura, cor e clareamento. A equipe também está dedicada à análise econômica, assegurando que a sustentabilidade do bioplástico seja complementada por uma viabilidade econômica atrativa.

À medida que a pesquisa avança, a equipe concentra-se na verificação da granulometria, um passo essencial para determinar o custo final do produto. Os testes de injeção estão em andamento para garantir a compatibilidade com máquinas industriais, considerando a complexidade do composto, que incorpora uma matriz polimérica com reforço de fibra de castanha. O professor destaca a importância dessa fase avançada, onde os testes de branqueamento e análises microscópicas estão sendo conduzidos para assegurar que o bioplástico atenda aos padrões de qualidade e especificações necessárias.

Projeto estima potencial para faturamento de R$ 20 milhões, em três anos

Um estudo conduzido pela World Transformation Technologies (WTT) estima que o projeto tem potencial para a geração de R$ 4,8 milhões em renda para as comunidades envolvidas, parte de um faturamento total estimado em R$ 20 milhões, nos primeiros três anos de comercialização. O estudo indica ainda uma redução de mais de 300 toneladas de emissões de CO2 durante esse período. Ao considerar o terceiro ano pós-lançamento no mercado, a pesquisa da WTT sugere que o novo bioplástico tenha potencial para substituir até 18% da produção de polipropileno convencional.

Para o professor Luiz Verçosa, os principais impactos e ganhos são bastante expressivos. O benefício social é particularmente notável, considerando o significativo aumento na qualidade de vida das comunidades envolvidas. A construção do galpão de secagem e a implementação de maquinário, como trituradores, representam avanços significativos na infraestrutura local, possibilitando o processamento do ouriço da castanha, antes descartado, em uma valiosa fonte de receita.

A preocupação com a sustentabilidade ambiental também é destacada, visto que o material resultante é biodegradável, em contraste com o plástico convencional derivado do petróleo, cuja decomposição pode levar séculos. Essa abordagem inovadora não apenas reduz a pegada de carbono, mas também abre portas para futuras pesquisas e desenvolvimentos. A possibilidade de explorar esse material biodegradável em diferentes contextos, como a produção de placas estruturais, exemplifica o potencial transformador desse projeto científico, indicando caminhos promissores para aplicações futuras.

(Gustavo Jordan, estagiário, sob a supervisão de Ana Danin, editora executiva PIM Amazônia)

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