Reforma tributária é aprovada em votação histórica na Câmara

Texto-base aprovado nos dois turnos excluiu a Cide criada no Senado para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus, mas manteve o IPI para produtos do resto do país que competem com os da ZFM. Promulgação será na próxima semana
Votação da Reforma Tributária na Câmara. Foto: Zeca Ribeiro/ Câmara dos Deputados

Da Redação, com informações do g1

A Câmara dos Deputados aprovou na sexta-feira, 15, nos dois turnos, o texto-base da Reforma Tributária. Nos últimos dias, deputados e senadores buscaram consenso sobre os pontos da reforma. O placar da votação em primeiro turno ficou em 371 votos a favor e 121 contra. No segundo turno, o placar foi de 365 a 118. No texto aprovado em primeiro turno, já não constava a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), criada pelo Senado como forma de manter a competitividade da Zona Franca de Manaus (ZFM).

Os Senadores incluíram a criação da Cide no documento enviado à Câmara porque, como a reforma tributária prevê extinguir uma série de impostos e unificá-los em um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), alguns tributos hoje pagos deixarão de existir e, com isso, a Zona Franca de Manaus, que já tem menos impostos que o resto do país, poderia perder competitividade. A Cide serviria, então, para incidir sobre alguns produtos do resto do país, evitando prejuízo para a ZFM.

Segundo o relator na Câmara, a decisão de retirar esse ponto foi tomada em alinhamento com o relator do projeto no Senado. Porém, como compensação, foi mantido o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para produtos do resto do país que competem com os da Zona Franca de Manaus.

“Optamos em conjunto eu e o senador Eduardo Braga [relator no Senado], ouvindo todos pela supressão da Cide, e adotarmos o IPI, que será o IPI da Zona Franca, que cumprirá o mesmo papel” disse o deputado Aguinaldo.

Além da Cide, também foi excluída pelo relator a redução de impostos para uma cesta básica estendida. Inicialmente, o texto na Câmara previa isenção de imposto para a cesta básica nacional. No Senado, foi criada ainda uma cesta básica estendida, que teria outros itens e alíquota reduzida de impostos. O relator entendeu que é melhor manter a isenção para a cesta básica nacional e manter o um “cashback” para outros produtos que sejam muito comprados pela população pobre. Na avaliação de Ribeiro, assim, o mecanismo é mais eficiente para atender as populações carentes.

Esta foi a segunda vez que a proposta de Reforma Tributária foi submetida aos deputados federais. Ela já havia sido aprovada pela Casa em julho deste ano. O Senado, no entanto, promoveu mudanças no conteúdo, o que obrigou uma nova análise da reforma pelos deputados.

Destaques – Antes da votação em segundo turno os deputados votaram nos chamados destaques, que são sugestões de mudanças no texto-base.

Em três horas de debates, os deputados aprovaram três destaques e rejeitaram sete. Os destaques aprovados mantiveram incentivos ao setor automotivo e a fabricantes de baterias do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e reinstituíram a autorização para que o salário de auditores-fiscais estaduais e municipais sejam igualados aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os destaques rejeitados impediram alterações em relação ao texto do relator. Os parlamentares não reincluíram os regimes específicos para os setores de saneamento e concessão de rodovias. Mais cedo, os deputados mantiveram, por 326 votos a 161, o imposto seletivo sobre os armamentos e as munições, exceto se comprados pela Administração Pública, mas a questão acabou revertida posteriormente, com a retirada desses itens do imposto seletivo, por 293 votos a favor e 193 contrários. O imposto seletivo incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Promulgação – A votação é histórica. A reforma tributária foi discutida durante 30 anos por sucessivos governos e dentro do governo, sem nunca ter saído do papel. Agora, concluída a votação, a reforma vai para promulgação, ato que tornará o texto parte da Constituição.

Após a aprovação da PEC, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), informou que a previsão é de que o texto seja promulgado na próxima quarta-feira, 20. Lira também falou sobre a importância de conviver com pessoas que pensam diferente. “O presidente Lula se elegeu, reconhecidamente, como a maioria de votos, mas o Congresso não teve a mesma representatividade progressista que teve o poder executivo, por isso a grandiosidade do fato de que a gente tem que viver e tem que conviver pensando diferente, mas trabalhando no sentido que é o desenvolvimento do nosso país”, afirmou Lira.

Consenso – Nesta sexta-feira, 15, a reforma foi votada após uma agenda intensa de reuniões entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e os relatores da proposta nas duas Casas – deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e senador Eduardo Braga (MDB-AM).

Os quatros costuraram um texto que pudesse ser entendido como “comum” entre as Casas, o que retira a necessidade de uma nova rodada de votação no Senado. Isso porque PECs só podem ser promulgadas quando há um consenso entre Câmara e Senado sobre a proposta. Foi nesta “costura” que a Cide e a redução de impostos para uma cesta básica estendida foram excluídas.

O relator Aguinaldo Ribeiro também retirou setores da lista de regimes específicos, que terão uma regra diferente para a cobrança do futuro do imposto. Saíram do texto os setores de:

  • Serviços de saneamento e de concessão de rodovias;
  • Serviços de transporte aéreo;
  • Operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações;
  • Bens e serviços que promovam a economia circular visando à sustentabilidade no uso de recursos naturais;
  • Operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica.

Ribeiro retirou ainda medicamentos e dispositivos médicos adquiridos por entidades de assistência social da lista de produtos que poderiam ter redução de 100% do futuro IVA.

Reforma busca a simplificação do sistema tributário nacional

A reforma foi criada com o objetivo de simplificar tributos federais, estaduais e municipais, além de estabelecer a possibilidade de tratamentos diferenciados, e ainda setores com alíquotas reduzidas como, por exemplo, serviços de educação, medicamentos, transporte coletivo de passageiros e produtos agropecuários.

A proposta prevê também um Imposto Seletivo — apelidado de “imposto do pecado” — para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, e assegura isenção tributária a produtos da cesta básica.

Pela PEC, cinco tributos serão substituídos por dois Impostos sobre Valor Agregado (IVAs) — um gerenciado pela União, e outro com gestão compartilhada entre estados e municípios:

  • Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): com gestão federal, vai unificar IPI, PIS e Cofins;
  • Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): com gestão compartilhada estados e municípios, unificará ICMS (estadual) e ISS (municipal).

O governo espera que, com a simplificação tributária, haja um aumento de produtividade e, consequentemente, redução de custos para consumidores e produtores.

Criação do IVA – A proposta introduz o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) no sistema tributário nacional. Segundo o texto, cinco impostos que existem hoje serão substituídos por dois IVAs:

  • Três tributos federais (PIS, Cofins e IPI) dão origem à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal;
  • ICMS (estadual) e o ISS (municipal) serão unificados no formato do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada entre estados e municípios.

No modelo do IVA, os impostos não são cumulativos ao longo da cadeia de produção de um item. O valor do IVA ainda vai ser estipulado, em outra etapa, quando a PEC for regulamentada. A área econômica calcula que o percentual deverá ser algo em torno de 27,5% sobre o valor do produto, para manter a atual carga tributária do país — nem aumentar nem diminuir.

Além disso, os impostos passarão a ser cobrados no destino final, onde o bem ou serviço será consumido, e não mais na origem. Isso contribuiria para combater a chamada “guerra fiscal”, nome dado à disputa entre os estados para que empresas se instalem em seus territórios, mediante a oferta de incentivo fiscais.

Período de transição vai durar até sete anos

Segundo a proposta, o período de transição para unificação dos tributos vai durar até sete anos, entre 2026 e 2032. A partir de 2033, impostos atuais serão extintos. A transição está organizada da seguinte forma:

  • Em 2026: alíquota teste de 0,9% para a CBS (IVA federal) e de 0,1% para IBS (IVA compartilhado entre estados e municípios);
  • Em 2027: PIS e Cofins deixam de existir. CBS será totalmente implementada. Alíquota do IBS permanece com 0,1%;
  • Entre 2029 e 2032: redução paulatina das alíquotas do ICMS e do ISS e elevação gradual do IBS;
  • Em 2033: vigência integral do novo modelo e extinção do ICMS e do ISS.

Além dos prazos gerais, o texto prevê que, em 2027, deverá ser extinto o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O Senado havia aprovado a criação, no lugar do IPI, de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus (ZFM).

A Câmara, no entanto, retirou o dispositivo e manteve a existência, a partir de 2027, do IPI sobre produtos industrializados produzidos na Zona Franca. A medida vale enquanto durar o regime da Zona Franca, ou seja, até 2073.

Em 2027, também está prevista a entrada em vigor do Imposto Seletivo — conhecido como “imposto do pecado”.

Alíquota dos impostos e “trava”

As alíquotas dos impostos deverão ser definidas em lei. Uma resolução do Senado vai estabelecer valores de referência, que serão adotados quando não houver legislação. No texto, há um mecanismo que impede a perda de arrecadação nos primeiros anos da reforma. O dispositivo também funcionará como uma “trava” para a elevação de cobranças.

A regra levará em conta a média de arrecadação dos impostos extintos e o Produto Interno Bruto (PIB). Um “gatilho” poderá ser acionado, obrigando a redução das cobranças.

Caberá ao Tribunal de Contas da União (TCU) fiscalizar e realizar os cálculos das chamadas alíquotas de referência.

Em novembro, o Senado aprovou a criação de um mecanismo que daria maior fatia do montante arrecadado com o IBS para estados e municípios que aumentarem sua arrecadação ao longo do tempo, comparativamente aos demais.

A Câmara, no entanto, rejeitou a criação do benefício. “O mecanismo previsto traz insegurança em relação aos seus reflexos na participação na arrecadação, durante 50 anos, de todos os entes federativos subnacionais”, argumentou o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro.

*Texto atualizado em 16/12 para incluir o resultado da votação nos dois turnos

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