Seca extrema na Amazônia: estaremos preparados para enfrentá-la? 

2024 avança trazendo preocupações e cobranças quanto às medidas preventivas necessárias a partir dos aprendizados deixados pela estiagem histórica do ano que passou. É neste cenário que a PIM Amazônia publicará uma série de reportagens especiais sobre o tema. Nesta primeira, ouvimos governos e representantes do empresariado sobre os desafios e possíveis soluções para tentar minimizar os impactos na economia regional
Polo Industrial de Manaus sentiu bastante os efeitos da seca prolongada de 2023. Foto: Thiago Oliveira.

Quem conhece a Amazônia, sabe que os rios são parte essencial da região. E não é para menos, afinal, a região hidrográfica amazônica ocupa 45% do território nacional, segundo  dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Para além da simbologia de rio como fonte de vida, que transcende as gerações dos povos que habitam a Amazônia, eles são protagonistas da logística econômica local, conectando cidades, transportando pessoas, insumos, mercadorias e produtos.

Por outro lado, como consequência das mudanças climáticas, o volume de água desses rios, a cada ano, está mais ameaçado. O grande receio de muitos representantes de governos, indústrias, comércio e da sociedade como um todo, é de encontrar, em 2024, uma estiagem ainda mais severa, quando comparada a de 2023. 

Segundo dados do Porto de Manaus (AM), no mês de março de 2024, o Rio Negro está com cota de 22,27 metros, o menor nível desde 2016, quando a cota foi de 19,94 metros. Entre 2017 e 2023, em março, a média ficou entre 24 e 25 metros.

Por sua vez, em 2023, alcançou-se um número histórico. Em 26 de outubro deste mesmo ano, o Rio Negro alcançou a marca de 12,7 metros. Segundo dados do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), esse foi o nível mais baixo em 121 anos. Mais recentemente, a cota mais baixa foi registrada em 2010, com 13,63 metros. 

Sem água suficiente para grandes navios trafegarem, os insumos não chegam às indústrias, o comércio sofre com a ausência de produtos nas prateleiras, o consumidor sente o impacto no dia a dia e toda uma cadeia econômica sofre com perdas. 

Principalmente a partir de outubro de 2023, quando o cenário da seca se tornou mais severo no Amazonas, barcaças e navios enfrentaram dificuldades para navegar em trechos que, em condições normais, estariam acessíveis. A situação mais crítica ocorreu na foz do Rio Madeira e na região do Tabocal, no município de Itacoatiara, onde a navegação de navios ficou impraticável. 

De acordo com o estudo da ANA, lançado no final de janeiro, o Norte do Brasil possui para os próximos anos uma tendência de redução nas vazões e volumes médios de chuvas e uma perspectiva de secas mais frequentes e intensas nessa região, que abriga a maior parte da Amazônia Legal. 

Como forma de propor alternativas para mitigar os impactos da seca em 2024, no dia 1º de março, durante a reunião Ordinária do Conselho de Administração da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), o governador do Amazonas, Wilson Lima, cobrou o então presidente em exercício, Geraldo Alckmin, sobre a retomada de obras para a dragagem na Bacia do Rio Amazonas, em antecipação ao início da estiagem no Estado. Na reunião, Alckmin informou que a dragagem está prevista para iniciar no próximo mês de maio.

“O rio voltou a subir, permitindo a navegação, mas ainda não está no nível de normalidade que costumamos ter aqui na Amazônia, isso, naturalmente, é efeito do El Niño”, avaliou Wilson Lima. 

A técnica de dragagem tem por objetivo remover sedimentos do fundo do rio pelo uso de dragas, aumentando assim o calado das embarcações, ou seja, o espaço ocupado pelo navio dentro da água. A ideia é que a desobstrução dos trechos seja realizada em pontos estratégicos da Bacia do Rio Amazonas, facilitando a passagem dos barcos quando o nível da água diminuir. 

Entre esses pontos estratégicos, por onde chegam os insumos para a Zona Franca de Manaus, por exemplo, e por onde saem os produtos acabados, como televisores e celulares, estão a costa do Tabocal, próximo ao município de Itacoatiara, e a enseada do Madeira, locais onde no pico da estiagem a passagem dos navios se tornou mais crítica. 

Sobre as medidas preventivas para tentar minimizar os impactos da seca prevista para 2024, o Governo do Estado do Amazonas – estado que até o último boletim da estiagem, atualizado em 11 de março, ainda estava com todos os seus 62 municípios em situação de emergência em função da seca de 2023 -, informou em nota enviada à PIM Amazônia que, por meio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti), está adotando uma “abordagem proativa para se preparar e mitigar os impactos de uma possível estiagem como a ocorrida em 2023”. Sobre a dragagem de trechos do Rio Madeira, diz a nota:

“Conforme declarado por representantes do governo estadual, e reafirmado na sexta-feira (01/03) pelo presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, a dragagem dos rios será iniciada em primeiro de maio, seguindo as orientações dos operadores de navegação. Esta ação tem como objetivo reduzir significativamente os riscos associados à estiagem, minimizando as consequências que foram observadas no ano anterior. O diálogo intenso com o governo federal destaca o comprometimento em antecipar a abordagem à estiagem, agindo de maneira preventiva e oportuna”.

Recursos – Ainda em 2023, o Governo Federal, por meio dos ministérios dos Transportes e de Portos e Aeroportos, anunciou que destinaria cerca de R$140 milhões para dragagem em trechos dos rios Madeira e Solimões, o que beneficiaria, principalmente, os estados do Amazonas e Rondônia.

Na época, a medida foi uma ação emergencial para conter as consequências de momentos críticos da seca, que se agravaram no início de outubro. 

Este mês, quando perguntado sobre o status das obras, em relação a trechos no Rio Madeira e Solimões, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), enviou a seguinte nota à PIM Amazônia: 

“Devido à seca histórica na Região Norte do país, no ano de 2023, foram realizadas contratações emergenciais para a execução de obras de dragagem nos rios Amazonas e Solimões, por dispensa de licitação, em conformidade com as instruções normativas do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).

Tais obras encontram-se com contratos vigentes, no entanto, foram paralisadas devido à elevação do nível dos rios. A dragagem foi realizada nos trechos críticos dos corpos hídricos mencionados, e atualmente, a autarquia está conduzindo os levantamentos finais dos referidos contratos. Exceto pelo trecho entre os municípios de Benjamin Constant e Tabatinga (Rio Solimões), onde as operações continuam em andamento.”. 

Informação recebida pela PIM Amazônia, por outra fonte, indica que a batimetria (como é chamado o serviço de medição de profundidade dos rios) da região da Enseada do Madeira teve início no último dia 24 de março. Essa atividade é fundamental para que possam ser viabilizadas as ações de dragagem preventiva por parte do DNIT na região.

Efetividade da dragagem depende de antecipação ao problema e, ainda assim, divide opiniões

Jhony Fidelis, diretor-executivo do Porto Chibatão, um dos maiores complexos portuários privados da América Latina, localizado no Polo Industrial de Manaus, avalia que a dragagem é uma solução viável não somente para a indústria e para o comércio, mas para todo o estado do Amazonas.

Ele lembra que em 2023, como consequência da estiagem, a movimentação de carga no Porto Chibatão caiu em relação ao ano anterior, passando de 702 mil TEUs (medida-padrão usada para calcular o volume de carga de um contêiner marítimo), em 2022, para 681 mil TEUs, em 2023. Fidelis acredita que se as ações de mitigação aos efeitos da seca forem tomadas em tempo hábil este ano, a ideia é que em 2024, a movimentação de carga cresça em 11%, segundo projeção realizada pelo próprio Porto. 

De acordo com o diretor-executivo, muito mais que uma medida emergencial, a dragagem precisa ser uma medida preventiva, sendo realizada no período adequado, pelo menos 3 meses antes do início da estiagem. 

“No ano passado, a dragagem acabou não surtindo o efeito necessário porque foi feita fora de época. Este ano, o que nós estamos buscando é uma questão um pouco mais estratégica, ou seja, fazendo no tempo certo, atuando de maneira preventiva. Ano passado, ela iniciou fora de época, então não houve nenhum tipo de ganho, por isso que não foi eficaz” 

Jhony Fidelis, Porto Chibatão

Em nota, a Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM) classificou os serviços de dragagem nos rios Madeira e Solimões como “importantíssimos para a região da Amazônia Ocidental, porque a sua execução viabiliza o fluxo de cargas, de passageiros e de produtos regionais. Os dois rios são as principais vias de abastecimento de insumos e escoamento da produção do Polo Industrial de Manaus (PIM).”

A FIEAM também destacou a necessidade de agir de forma preventiva, “a fim de evitar que ocorra novamente, durante o período de estiagem, colapso de abastecimento, tanto no que diz respeito aos insumos industriais e escoamento da produção, como também para o consumo de bens de primeira necessidade para a população”. Por fim, a Federação também defende a importância da conclusão dos serviços de recuperação e conservação da BR 319 (rodovia que liga Amazonas a Rondônia), “o que seria de grande importância nesse período de estiagem em 2024, em que a navegação dos rios se torna mais problemática.”

O coordenador da comissão de logística do Centro da Indústria e do Estado do Amazonas (Cieam), Augusto Cesar Rocha, é ainda mais crítico em relação às obras de dragagem em trechos dos rios. Para ele, a “solução de obra civil é outra”, pois não acredita que a dragagem resolva essa problemática. 

“A dragagem (em 2023) terminou muito ineficiente. Eu entendo que a gente precisa aprender com o erro do ano passado: se a dragagem não funcionou, eu não entendo por que ela funcionaria este ano” 

Augusto Cesar Rocha, Cieam

Augusto Cesar defende que deve haver também um maior rigor nos estudos de aplicação dessa técnica, na região. “Quanto de sedimentos vem do Rio Madeira, pro Rio Amazonas? Há uma medição disso? Qual o tipo de equipamento que deve ser usado para fazer dragagem? Será que a balsa que foi usada é apropriada para dimensão da obra? Então, eu acho que existe muito frisson em cima da dragagem, mas sem nenhuma métrica. O que resolveu a situação ano passado foi a chuva, se for feito a mesma coisa, o que vai resolver será a chuva de novo”, afirma. 

Rocha também aponta que ainda não há clareza sobre qual seria a melhor obra de enfrentamento à questão da seca extrema nos rios, mas pontua alternativas. 

“A BR-319, se recuperada, é um elemento de auxílio para melhorar essa infraestrutura. Além disso, existem muitos outros tipos de obra em uma hidrovia. Tem uma hidrovia no Canadá (Hidrovia dos Grandes Lagos e São Lourenço, saiba mais abaixo), por exemplo, em que a solução foi completamente distinta: a obra subaquática direcionou o fluxo da água, e a própria água desobstrui o canal. Então, são diferentes alternativas, é uma região muito complexa”, apontou. 

Inaugurada oficialmente em 27 de março de 1976, a BR-319 é a rodovia federal que liga Manaus, capital do Amazonas, a Porto Velho, capital de Rondônia, e possui uma extensão de 885 km, dos quais a maior parte, cerca de 820 km, está no estado do Amazonas. A via é protagonista de grandes discussões e controvérsias. Isso porque 400 km, quase a metade de sua extensão, não estão pavimentados, o que impede, na opinião dos defensores do maior uso da rodovia, o tráfego seguro de veículos. Por outro lado, ambientalistas alegam que a obra de pavimentação traria impactos para o meio ambiente.

Hidrovia canadense – Já a Hidrovia dos Grandes Lagos e São Lourenço, apontada pelo coordenador da comissão de logística do CIEAM, com um exemplo de solução alternativa adotada no exterior, segundo o site oficial da hidrovia é reconhecida como uma das proezas de engenharia mais desafiadoras da história. Lá foram construídas sete eclusas, cinco canadenses e duas americanas, para elevar os navios 246 pés (75 metros) acima do nível do mar enquanto transitam de Montreal para o Lago Ontário.

A construção abrange um trecho de 306 km (189 milhas) da Via Marítima do São Lourenço entre Montreal e o Lago Ontário durante meados até o final da década de 1950. A expansão da Hidrovia do São Lourenço envolveu a construção de várias estruturas para melhorar a navegabilidade e permitir que embarcações maiores navegassem pelo canal. Uma das técnicas utilizadas foi a construção de obras subaquáticas, como diques e barragens, para direcionar o fluxo da água e controlar a sedimentação.

Uma das principais obras foi a construção das eclusas, que são estruturas utilizadas para elevar ou baixar os barcos em diferentes níveis do canal, permitindo que eles naveguem em trechos de águas com diferentes altitudes. Isso é especialmente importante em São Lourenço, onde há diferenças significativas de altitude ao longo do percurso.

Augusto Cesar compartilha que o CIEAM tem se posicionado e buscado discutir o tema. Ele informa que, no início de abril, haverá uma reunião com os representantes logísticos da região, para, mais uma vez, discutir os caminhos a serem seguidos no enfrentamento da estiagem de 2024. “No dia 2 de abril, a reunião será com os armadores que operam nos trechos, e no dia 4 de abril, com os órgãos de governo”, explica. 

Nessa mesma reunião, também estarão presentes representantes da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Amazonas (Fecomércio-AM). O presidente da instituição, Aderson Frota, relembra que ainda no início de 2024, o governo do Amazonas convocou entidades para uma conversa com o Chefe da Defesa Civil, Coronel Francisco Máximo, que argumentou a possibilidade de uma estiagem ainda mais grave em 2024, devido ao nível do Rio Negro já estar mais baixo nesse último mês de fevereiro, quando comparado ao mesmo período do ano passado. 

Aderson Frota indica que ainda não há certeza de qual será a gravidade da estiagem em 2024, mas expõe que é preciso estar preparado para uma segunda edição histórica. 

“No início de abril, nós vamos fazer uma reunião com todas as pessoas envolvidas na logística de abastecimento de Manaus, os operadores de carga, os principais portos, principais importadores e entidades ligadas a esse panorama para discutir. A expectativa é projetar medidas para diminuir o impacto dessa nova estiagem”

Aderson Frota, Fecomércio – AM

Empresários temem nova descapitalização durante a estiagem de 2024

O presidente da Fecomércio do Amazonas, Aderson Frota, conta que um dos principais fenômenos que afetou as empresas do ramo comercial, em 2023, foi o processo de descapitalização, que volta a preocupar o setor, com a previsão de chegada de um novo período de seca extrema. 

Aderson explica que as mercadorias, que antes do período da estiagem de 2023 chegavam entre 30 e 35 dias, passaram a chegar em 150. Por outro lado, as empresas ainda eram obrigadas a pagar o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS), em no máximo 45 dias após a emissão da nota fiscal, mesmo sem ter o produto em mãos. Como resultado, elas saiam no prejuízo. 

“Esse aqui é o problema: se nós vamos receber mercadoria com 150 dias e temos que pagar o imposto com valores agregados estabelecidos pelo Governo pela Secretaria da Fazenda, significa dizer que nós vamos pagar imposto sem colocar a mão na mercadoria, sem receber a mercadoria, sem poder vender a mercadoria”, analisa. 

Além disso, o cenário também passou a refletir no consumidor, principalmente aqueles que viviam em municípios distantes de Manaus. 

“Os produtos ficaram mais caros, o que atrapalhou o desenvolvimento da própria economia. O comércio foi desabastecido, deixou-se de vender mercadorias e a situação do interior nem se fala. Algumas cidades só eram abastecidas através de canoas com motor de rabeta. As vendas caíram até porque, paralelo a isso, tinha uma grande parte da população que estava inadimplente naquela época, um número próximo a 85% de inadimplência”, explica.

Cabotagem é fundamental para abastecimento do comércio amazonense

Quase 90% de todas as mercadorias que abastecem o comércio vêm via cabotagem, ou seja, através de navios”, aponta Aderson Frota, presidente da Fecomércio do Amazonas. 

A cabotagem é a navegação realizada entre portos ou pontos de um mesmo país, utilizando para isso a via marítima e as vias navegáveis interiores, ou seja, os rios e mares. 

Frota explica que, na maior parte dos casos, quando o transporte não é via cabotagem, o caminho é rodofluvial, ou seja, uma logística segmentada, por rodovias e rios. Geralmente, a mercadoria chega até Belém, passa para uma balsa e sobe o Rio Amazonas. Ou então, a mercadoria chega até Porto Velho, passa para uma balsa e desce o Rio Madeira até Manaus. O transporte aéreo ainda é o mais caro.

“O que aconteceu com a estiagem é que nós tivemos uma descida do nível de água, não só do Rio Negro, como do Rio Madeira e do Rio Amazonas tão drástica que acabou inviabilizando a aportagem dos navios nos portos Chibatão e Super Terminais”, aponta Aderson. 

O diretor-executivo da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem, Luis Fernando Resano, explica que a cabotagem conecta diferentes portos da costa brasileira. As conexões podem acontecer de Rio Grande (RS) a Manaus (AM), Rio Grande (RS) a Santos (SP), ou a Suape (PE), sendo Manaus a cidade que possui o maior porto em movimentação de carga, perdendo apenas para Santos. 

Com o período de estiagem, toda a cadeia logística foi impactada, isso porque os portos para a cabotagem na cidade de Manaus são grandes concentradores de mercadorias a serem escoadas para o resto da região.  

“O navio chega até Manaus, mas a carga não chega só até Manaus, pois de lá ela parte para outras cidades. Então chegamos até Tabatinga ou até Porto Velho, por exemplo. Sem contar os condicionadores de ar, motocicletas e televisores, que partem de volta da Zona Franca para o Sul e Sudeste do Brasil, por meio da cabotagem”, afirma Resano. 

Segundo dados da ABAC, no quarto trimestre de 2023, o número de movimentação de carga (embarcação e desembarcação) em Manaus não chegou a 50 mil TEUS, o que no mesmo período em 2022 passava de 80 mil. 

Resano informa que durante o período crítico da seca, entre outubro e dezembro de 2023, navios que suportavam uma faixa de 3 mil contêineres, passaram a navegar com uma carga de 1000 a 1500 containers. Para que essa realidade não se repita ele reafirma a importância de investir nas medidas preventivas. 

“Os rios amazônicos são rios que a gente chama ‘jovens’, eles mudam o trajeto todo ano. Então, o que nós precisamos fazer com o rio deste ano, que não é igual ao rio do ano passado, é analisar os pontos críticos como o Tabocal e a Enseada do Madeira. Nesse trecho onde está crítico, tem que ser mapeado locais de assoreamento para se atuar com uma dragagem, de maneira preventiva, para que os navios possam navegar mesmo que com menos carga”, aponta. 

Importações gerais no Amazonas tiveram uma queda de 49,79% no ápice da seca

“A gente estimou em R$1,4 bilhão de custos excessivos que as indústrias tiveram para enfrentar essa seca”, disse Augusto César Rocha, coordenador da comissão de logística do Cieam, ainda em janeiro de 2024. 

Segundo o ComexStat, sistema que permite acesso às estatísticas de comércio exterior do Brasil, só em outubro de 2023, no ápice da seca, as importações gerais no Amazonas tiveram uma queda de 49,79%, indo de US$1,097 bilhão (R$5,32 bilhões) para US$604 milhões (R$2,9 bilhões). Por via aquaviária, essa redução foi ainda maior, de 73,82%. Em contrapartida, as importações por via aérea, que são mais caras, subiram 9%.

Por sua vez, de acordo com o IBGE, a produção industrial do Amazonas registrou quedas significativas em novembro, com uma redução de 4,2% em relação a outubro e 10,3% na comparação anual. 

Conforme a Secretaria de Estado da Fazenda do Amazonas, em 2023 houve a perda de R$ 600 milhões na arrecadação tributária do estado, comprometendo a efetividade da política fiscal em vigor.

Setor de Eletroeletrônicos teme nova necessidade de paralisação das fábricas

O presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Jorge Júnior, explica que, nesse período, por conta da impossibilidade de navegação, muitas fábricas da Zona Franca de Manaus tiveram que ficar paralisadas, e até mesmo algumas delas tiveram que antecipar as férias coletivas, que geralmente acontecem no mês de dezembro. 

“A preocupação para esse ano é caso haja uma seca mais intensa do que aconteceu no passado, porque hoje a média dos rios está 2 metros abaixo do que normalmente deveria estar, o rio vai ficar mais tempo com a impossibilidade de navegar, por consequência, é mais tempo em que as empresas ficarão paradas, talvez algumas considerem a possibilidade de demitir funcionários porque passarão mais de 60 dias sem produzir” 

Jorge Júnior, Eletros

Crescimento – Apesar das perdas, o setor de condicionadores de ar, que integra a Eletros, apresentou crescimento por conta das altas temperaturas registradas. Em comparação a 2022, o crescimento em 2023 foi de 17%, é o que afirma o presidente da Eletros, Jorge Júnior. 

“Sem dúvida alguma, as altas temperaturas estimularam o consumo de ar-condicionado. Então, o calor provocado pelo El Niño foi um fator preponderante para que o consumidor buscasse a aquisição ainda maior desse produto”, conclui. 

Projeto Recuperar é uma das apostas de Rondônia para reduzir os impactos este ano

Em Rondônia, que também foi bastante atingido pela seca de 2023, o Governo do Estado executa o projeto Recuperar, que envolve os municípios afetados pela crise hídrica, combinando esforços para reverter os danos causados às nascentes e “integrando conhecimentos científicos, práticas de reflorestamento e engajamento comunitário, não apenas para restaurar as áreas degradadas, mas também promover a sustentabilidade a longo prazo.”

Segundo o Governo de Rondônia, ações do projeto já podem ser vistas nos municípios de Cerejeiras e Cacoal. No fim do ano passado, também foi assinado o convênio com o município de Espigão do Oeste, onde a microbacia do rio Palmeira, responsável pelo abastecimento urbano, sentiu de forma drástica os efeitos da estiagem na região, o que comprometeu a distribuição de água para a população.

O secretário de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam), Marco Antonio Lagos, destacou em notícia divulgada pelo Governo, que o projeto atende à recuperação de nascentes e plantio de mudas de árvores nativas e demais espécies de fácil adaptação com a região, para recuperar as bacias do rios atingidos. 

“Para isso pretendemos mobilizar as partes envolvidas, para que realizem reuniões com os proprietários rurais que estão na área de abrangência do projeto, visando a sensibilização e adesão às ações de recuperação e conservação das microbacias dos rios, que estão sendo prejudicados com o fenômeno El Niño e as mudanças climáticas. Esses episódios climatológicos extremos estão afetando diretamente a população de alguns municípios, porém, com planejamento técnico e financeiro, o Governo do Estado está respondendo com ações efetivas e de efeitos duradouros, como esta ação de recuperação das nascentes”, concluiu.

Depois da seca, Acre foi impactado pela segunda maior cheia da história

Enquanto alguns governos e empresas já planejam ações para minimizar os impactos futuros da seca de 2024, o estado do Acre, neste início de ano, precisou lidar com a situação oposta: a cheia histórica dos rios da região. No início deste mês, o Rio Acre, que ficou mais de uma semana com o nível acima dos 17 metros, alcançou (em 06/03) o nível de 17,89 metros, que deixou a marca de segunda maior cheia da história do Acre.  

Só no dia 11 de março, o nível do Rio Acre finalmente voltou a ficar abaixo da cota de transbordo, que é de 14 metros, registrando 13,57 metros na medição, segundo Boletim do governo estadual. Na capital, Rio Branco, no dia 11, a medição apontou o volume de 13,80 metros, saindo também da cota de transbordamento.

Até 11 de março as cheias do período já haviam colocado pelo menos 19 dos 22 municípios do Acre em situação de alerta.

Roraima ainda sente os efeitos da seca iniciada em 2023 

Em Roraima, o período seco começou em outubro, quando outros estados da região já vivenciavam o período mais crítico de estiagem. Desde então, as pessoas e o meio ambiente vêm sendo duramente impactados pela combinação seca e queimadas.

Até quinta-feira, 25/03, o governo de Roraima já havia decretado situação de emergência em 14 dos 15 municípios do estado. Apenas a cidade de Bonfim não estava em situação de emergência.

Ainda no domingo, 24, a capital, Boa Vista, foi encoberta por uma nuvem de fumaça proveniente de focos de incêndio que ocorrem no estado e também em países vizinhos, como a Guiana, o Suriname e a Venezuela. No dia seguinte, a Agência Brasil destacou que um monitoramento feito pela Plataforma Selva, da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), constatou que a qualidade do ar na capital de Roraima permanecia em um nível considerado péssimo, registrando 221.3 µg/m³ (por metro cúbico) em uma escala de medição que vai 0 a 160 µg/m³. 

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), registraram, até domingo, 24, nada menos que 1.312 focos de incêndio no mês de março. Se for contabilizado desde janeiro deste ano, o número de registros sobe para 3.973 focos de incêndio em Roraima.

Segundo o histórico de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), foram registrados 4,2 milímetros de chuva em todo o mês de janeiro, 14% do esperado. Em fevereiro, choveu apenas 6,8 milímetros, 21% do esperado.

O Rio Branco, principal rio de Roraima, atingiu a marca de 32 centímetros negativos, o menor nível registrado em 2024, no dia 15 deste mês de março. Por conta disso, municípios do interior têm enfrentado falta de água e a Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (Caer), empresa responsável pelo fornecimento, classificou a situação como “crise hídrica”.

De acordo com dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (INPE), dos dez municípios do Brasil com mais focos de calor desde o início deste mês de março, sete são de Roraima. Caracaraí, ao Sul do estado, lidera o ranking, com 299 focos e é seguido de Iracema, com 183, e Cantá, com 170. Os demais municípios são: Nova Maringá (MT), com 123; Corumbá (MS), com 91; e Brasnorte (MT), com 83.

A previsão é que a seca em Roraima continue até o próximo mês de abril. Desde o último dia 6 de fevereiro, o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima declarou estado de emergência ambiental para riscos de incêndios florestais em Roraima entre os meses de setembro de 2024 a abril de 2025. O estado está sob alerta do ministério para incêndios florestais até abril de 2024.

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