Transição energética e a polêmica em torno do petróleo na Amazônia

Na segunda reportagem da série “Caminhos para preservar e produzir na Amazônia”, abordamos um dos temas mais polêmicos destes nove meses do governo Lula: o desafio de avançar na agenda de incentivo às fontes de energia renováveis e na descarbonização, ao mesmo tempo em que se avalia uma nova exploração de petróleo na região
Foto: Alex Pazuello - Secom/AM

Por Yasmim Tabosa, PIM Amazônia

Neste mês de setembro, o Brasil retomou uma meta ambiciosa na área ambiental. A ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, anunciou a ampliação do compromisso do Governo Federal em reduzir a emissão de gases poluentes do efeito estufa, passando de 37% para 48% até 2025. Já para o final da década, a previsão passou de 50% para 53%. A declaração ocorreu na quarta-feira, 20, durante a Cúpula da Ambição Climática, evento que integrou a programação da 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York (EUA).

“O mundo requer uma transição energética mais ampla. O Brasil, que já tinha uma das metas climáticas mais ambiciosas do mundo, decidiu ir além. Tenho a satisfação de anunciar hoje que vamos atualizar nossa contribuição nacionalmente determinada no âmbito do Acordo de Paris. Vamos retomar o nível de ambição que apresentamos originalmente na COP21 e que tinha sido alterado no governo anterior”, afirmou a ministra, conforme destacado pela Agência Brasil.

O pronunciamento de Marina Silva é mais uma ponta de um emaranhado de fios que o governo vem tentando desenrolar e unir, ao colocar transição energética e descarbonização em um mesmo discurso que o da possibilidade de exploração de petróleo em um novo bloco da chamada Margem Equatorial, que se estende por uma área de mais de 2.200 quilômetros da costa do Amapá ao Rio Grande do Norte, próxima à Linha do Equador.

O bloco 59 fica a 159 quilômetros da região do Oiapoque, na foz do rio Amazonas, no estado do Amapá. Em maio deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou o pedido de pesquisa da Petrobras na área, alegando que os documentos apresentados não asseguravam a proteção da diversidade biológica da região, nem garantiam a segurança das comunidades indígenas locais.

Margem Equatorial. Imagem: Petrobras

À época, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, elencou pontos que motivaram o indeferimento do pedido. Segundo ele, o centro logístico para lidar com possíveis emergências ambientais ficaria em Belém, a 800 km dos testes; a região é pouco estudada e o local fica próximo à fronteira com a Guiana. Ou seja, um possível vazamento, além de trazer prejuízos locais, agravaria a situação em um cenário internacional. Rodrigo enfatizou que a área possui três unidades de conservação, correspondendo a 80% dos manguezais do Brasil, sem contar com a presença de corais e mamíferos aquáticos, como baleias e botos.

Ainda em maio, a Petrobras reapresentou o pedido de pesquisa que, até o fechamento desta reportagem, seguia em avaliação pelo Ibama. A longa análise gerou reação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que, em setembro, cobrou maior celeridade por parte do Ibama.

Silveira, por várias vezes, já disse que uma eventual nova exploração de combustível fóssil na Amazônia não significa um contrassenso no compromisso do governo atual com a transição de matriz energética.

“Ninguém fala em mudança de matriz energética. Mudança é algo mais abrupto, o que nós falamos é transição. Trabalhamos fortemente para poder ajudar o planeta na descarbonização. Agora, não podemos vendar os nossos olhos à realidade. Nenhum cientista consegue afirmar quando essa transição estará consolidada a ponto de nós podermos abrir mão da necessidade de uso em algumas matrizes”, defendeu, em agosto deste ano, em coletiva à imprensa durante a Cúpula da Amazônia, em Belém (PA). “Apesar das contradições, e é natural, das divergências, nós precisamos, por exemplo, explorar os minerais críticos de forma adequada e ambientalmente sustentável, ambientalmente correta, para poder fazer a transição energética”, completou.

Além do bloco 59, a Petrobras quer obter licenciamento ambiental para pelo menos cinco outros blocos na área, que também já tiveram a licença negada pelo Ibama, em 2018.

Décadas de exploração na Amazônia não são garantia de segurança, alegam críticos

Também em agosto deste ano, durante audiência pública no Senado, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, reforçou que a empresa tem um histórico de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas há mais de 30 anos, referindo-se à exploração na Província Petrolífera de Urucu, próxima ao rio de mesmo nome, no município de Coari, no Amazonas, a 650 km da capital Manaus. Prates também havia pontuado esta longa experiência de atuação na região em coletiva de imprensa, durante a Cúpula da Amazônia. “A Petrobras produz petróleo na região amazônica com muita responsabilidade, sem nenhum incidente, há décadas. Com tecnologia de ponta, com máxima de mitigação de efeitos, com o mínimo de devastação, com o mínimo de prejuízo para a natureza, para a sustentabilidade e com muitos programas sociais importantes; e deixando royalties e participações governamentais importantes nos estados Amazonas e outros estados amazônicos”, afirmou Prates.

Pesquisador Lucas Ferrante. Foto: arquivo pessoal

Para os críticos, no entanto, esse histórico não significa nada, uma vez que não há garantias que possam evitar danos ambientais em caso de vazamentos. O pesquisador Lucas Ferrante, doutor em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), pontua que não é possível medir a dimensão de qualquer falha que aconteça antes, durante e depois da perfuração dos poços.

“A gente precisa lembrar que o Brasil é refém das correntes marítimas. Principalmente, em ano de El Niño, e nós estamos em um, essas atividades se tornam muito mais intensificadas e não existe um plano eficiente para caso haja um vazamento para que se contenha esse vazamento de óleo antes que ele atinja a costa brasileira”, afirma Ferrante.

O pesquisador aponta que um eventual acidente na área implicaria na perda de biodiversidade e impactos socioeconômicos, pois aquela área engloba comunidades, ribeirinhas, pesqueiras, que dependem dos afluentes ao redor da região. A região do Oiapoque, no norte do Amapá, abriga diferentes povos indígenas, como os Karipuna, Galibi Kali’na, Galibi Marworno e Palikur.

“O impacto direto desses vazamentos, traz dano econômico para essas comunidades que não vão ser beneficiadas por essa atividade em si (a exploração do petróleo), então, mais uma vez, o ônus financeiro está sendo concentrado na mão de poucos e qualquer dano ambiental vai trazer impactos econômicos, principalmente para os mais vulneráveis”, argumentou Ferrante.

Outros pontos de vista – A reportagem PIM Amazônia entrou em contato com Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), bem como com a Associação Comercial e Industrial do Oiapoque (ACOI), na figura da presidente Lilma Campos, para tentar ouvi-los sobre a questão da exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, mas não teve retorno. Já as Federações das Indústrias do Amapá e Amazonas, retornaram contato informando que não iriam se manifestar sobre o tema.

Investimento em energia eólica e solar tem tudo para dar certo

Para o pesquisador Lucas Ferrante, a melhor alternativa para o Brasil é, de fato, o investimento em fontes renováveis de energia e que não ofereçam risco para o ecossistema amazônico.

“A região amazônica tem um potencial enorme para energia solar, tanto que a hidrelétrica de Balbina (AM) já instalou painéis solares sobre o reservatório para aproveitar esse tipo de energia. Então, veja que você pode aproveitar o potencial solar, você pode aproveitar o potencial eólico do Brasil na costa brasileira, principalmente offshore que é mais ou menos perto da onde se pretende instalar a exploração de petróleo da Foz do Amazonas.”

Atenta a esse potencial no Brasil, a Petrobras anunciou em 13 de setembro que assinou uma parceria com a WEG, empresa brasileira global de equipamentos eletroeletrônicos, para o desenvolvimento de um aerogerador de energia eólica no Brasil, com capacidade de 7 megawatts (MW), suficiente para abastecer, sozinho, uma cidade de 16.880 habitantes. Será o primeiro desse porte a ser fabricado no país, como noticiado pela Agência Brasil. O investimento neste projeto será de R$ 130 milhões.

No dia seguinte ao anúncio, a empresa divulgou outra parceria com foco em avaliar mais projetos de energias renováveis. Segundo a Petrobras, o objetivo do “memorando de entendimento não vinculante” assinado com as empresas TotalEnergies e a Casa dos Ventos “é desenvolver estudos conjuntos para avaliar oportunidades de negócios em eólica onshore, eólica offshore, solar e hidrogênio de baixo carbono no país, utilizando os expertises de cada empresa”.

“Nosso propósito é atuar em conjunto com grandes players para deslanchar investimentos em negócios de baixo carbono, encorpando o cenário de pesquisa tecnológica e novos negócios no país. Caso sejam viáveis e venham a ser implementados, essas iniciativas irão contribuir decisivamente para o aumento da oferta de energias renováveis no mercado brasileiro”, afirmou o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates.

Jean Paul Prates, presidente da Petrobras. Foto: Paulo Pinto/ Agência Brasil

Governos e empresas apostam no mercado de carbono

Em 30 de agosto deste ano, foi apresentado na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado o projeto que cria um marco legal para o mercado de carbono no Brasil, que tem como relatora a senadora Leila Barros (PDT-DF). O mercado de carbono, como sintetizado pela Agência Brasil, é um mecanismo que permite a venda de créditos por nações que limitam as emissões desses gases para nações com maiores dificuldades de cumprir as metas de redução.

O texto do projeto apresentado pela senadora prevê a criação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) para “fomentar a redução de emissões de gases de efeito estufa por meio de um sistema de comércio dessas emissões que internalize nas empresas os custos da emissão de carbono”.

Desde a apresentação da proposta inicial, a relatora vem dialogando com parlamentares, representantes do setor produtivo e governadores em cima do texto do projeto. Uma dessas reuniões, no início de setembro, foi com o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), Mauro O’de Almeida, que entregou à parlamentar as sugestões do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal para o Projeto de Lei. “Pontuamos que nos preocupa a não participação dos Estados na governança e o fato de haver ausência de créditos de carbono de florestas não destinadas, sobretudo no corpo da lei, além do fato de que o projeto é destinado a crédito de carbono da indústria e, com isso, a Amazônia fica praticamente alijada do contexto do projeto da lei”, disse O’de Almeida, após o encontro. Até o fim de setembro a senadora Leila Barros deverá reapresentar o projeto, com modificações resultantes das reflexões feitas a partir de todos as reuniões realizadas.

Deputados – Já a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados agendou para 27 de setembro uma audiência pública com o tema “Crédito de Carbono e o Desenvolvimento Sustentável na Amazônia”. O debate é resultado de requerimentos protocolados por parlamentares da região, os deputados Lebrão (União-RO) e Socorro Neri (PP-AC).

Pará – Em outra frente de ação, o governador do Pará, Helder Barbalho, participou em 22 de setembro, de reunião, em Nova York (EUA), com Inger Andersen, diretora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em busca de apoio para o desenvolvimento do sistema jurisdicional para o mercado de créditos de carbono no estado, o chamado sistema de Redd+ (Redução de Emissões de gases de efeito estufa provenientes do Desmatamento e da Degradação florestal).

Petrobras – Também em setembro a Petrobras anunciou a entrada no mercado de carbono, a partir da aquisição de 175 mil créditos de carbono gerados por ações de preservação da Floresta Amazônica. Cada crédito viabiliza a neutralização da emissão de uma tonelada de gás carbônico equivalente.

Governo quer criar programa Combustível do Futuro

No dia 14 de setembro, o governo Lula anunciou que iria encaminhar ao Congresso o projeto de lei para instituir o programa Combustível do Futuro, com um conjunto de propostas para promoção da mobilidade sustentável de baixo carbono. Essa é mais uma das ações da campanha do Governo Federal alinhada ao compromisso de favorecer uma transição energética.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Segundo a Agência Brasil, a proposta do Programa Combustível do Futuro trata de diversos temas para promover a descarbonização da matriz energética de transportes, a industrialização do país e o incremento da eficiência energética dos veículos. O programa propõe a integração entre a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), o Programa Rota 2030 – Mobilidade e Logística e o Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE Veicular).

“O Brasil tem que decidir, não apenas em uma lei, mas decidir no nosso comportamento e na nossa vontade, se a gente quer, realmente, se transformar numa nação grande, rica e soberana. Esta produção de biocombustíveis, essa transição energética que o mundo tanto clama, é uma oportunidade sui generis [única] para esse país”, disse Lula.

“A gente pode se transformar numa coisa tão ou mais importante do que o Oriente Médio é para o petróleo, a gente pode ser para os combustíveis renováveis”, acrescentou o presidente.

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