“Os benefícios  do Lean Manufacturing  vão muito além da diminuição de custos”

Samuel Obara aprendeu e implementou o Sistema Toyota de Produção (TPS) nas fábricas da Toyota no Japão, Brasil, Venezuela, Filipinas e Estados Unidos. Ele ensinou Lean para empresas de consultoria lean, organizações educacionais como Harvard e Stanford e em missões humanitárias pela Ásia e  África. Com quase 40 anos de experiência Lean, ele já ajudou mais de 450 empresas. Levou o TPS para ambientes que vão desde escolas a hospitais, militares, governamentais e outros em países como a China, México, Canadá, Indonésia, Japão, Áustria, Reino Unido, Lituânia, Rússia e os EUA. Possui MBA em Technology Management, membro do corpo docente do Lean Institute e instrutor de Gestão de Estratégia Global para a California Community College System. Ele é palestrante convidado na pós-graduação de universidades como Stanford, University of Southern California, La Verne e também na San Diego State University onde leciona e integra o board of advisors. Saiba mais detalhes desse conceito Lean Manufacturing na entrevista exclusiva concedida para a PIM Amazônia. Boa leitura!

PODERIA EXPLICAR UM POUCO SOBRE A ORIGEM E EM QUE CONSISTE A FILOSOFIA “LEAN MANUFACTURING ”?

O conceito se originou na Toyota do Japão por volta de 1950, e está até hoje se aperfeiçoando. De forma simplificada, o lean consiste na eliminação do desperdício e constante busca pela melhoria dos processos.  O Toyota Production System, foi rebatizado para lean quando o livro A Máquina que Mudou o Mundo (J.Womack, D.Jones, D.Roos) foi lançado nos anos 1990. Mas o lean foi se popularizando ao longo de um histórico surpreendente, que inclui como exemplo os resultados financeiros da Toyota em 2005, que mostrava vendas inferiores à número um do mundo, a General Motors. Porém, naquele mesmo ano, apesar de vender menos, a Toyota lucrou mais do que a GM e todas as outras onze maiores montadoras do mundo somadas. Outro fator que desafiou os paradigmas recentes foi quando a Toyota foi comparada com a Volkswagen, cujo número de funcionários necessários para se produzir um carro era, aproximadamente, o dobro da quantidade de funcionários da montadora japonesa.

COMO E ONDE FOI O SEU PRIMEIRO CONTATO COM ESTA FORMA DE PENSAR E TRABALHAR?

Meu primeiro contato foi aos 17 anos, terminando meu colégio técnico em eletromecânica. Eu iniciei um estágio na Toyota do Brasil, que na época fabricava o utilitário Bandeirantes. A fábrica produzia apenas 10 carros por dia e foi a primeira subsidiária da Toyota fora do Japão. A liderança era quase totalmente japonesa e falava um português precário, e este foi o berço do meu aprendizado. Após me formar em ciências da computação e tecnologia digital, fui enviado para a divisão de engenharia e planejamento internacional da Toyota no Japão onde participei de uma nova operação da companhia na Venezuela. Vivi nestes países por pouco mais de três anos e pude aprender como esta filosofia é adotada em diferentes culturas.

COMO VOCE FOI PARAR NOS ESTADOS UNIDOS COMO PROFESSOR DA SAN DIEGO STATE UNIVERSITY?

Aos meus 29 anos, eu planejava fazer um mestrado de administração nos Estados Unidos, e uma empresa no Vale do Silício me ofereceu um patrocínio em troca de eu liderar as iniciativas lean em suas dezenas de fábricas, e isso me trouxe à Califórnia.  Enquanto exercia o cargo de diretor corporativo desta empresa, me graduei na University Of Phoenix e me mudei para Los Angeles. Em pouco tempo comecei a ajudar algumas empresas americanas que queriam diminuir seus custos e melhorar seus indicadores. Estas empresas acabaram por me contratar para suas outras subsidiárias, algumas na Europa e outras em diversas regiões, e logo havia muitas empresas pedindo mais ajuda.

As demandas e requerimentos eram o de costume:  estas empresas queriam expandir as práticas lean e repetir os resultados obtidos nos outros locais. Isso implicava em viagens constantes por mais de 30 países, o que após alguns anos começou a pesar bastante. Foi então que um diretor da San Diego State University participou de um evento onde eu palestrava e me ofereceu uma vaga nesta mesma área de atuação, mas sem a necessidade de viajar. Aceitei na hora e comecei a ensinar lá no mês seguinte.

COMO É O SEU DIA A DIA NESTA JORNADA?

Creio que dedico meu tempo muito mais a aprender do que a ensinar. Sou um dos sócios da Honsha.ORG, uma organização dedicada a disseminar e implementar o lean em ambientes diversos. Tenho reuniões diárias para aprender como o nosso grupo de senseis (ou mestres em japonês), estão implementando o lean em clientes no setor agrícola, de saúde, industrial, de serviços dentre vários outros. Trabalho também em um programa de uma semana de imersão lean da San Diego State University que é exclusivo para brasileiros.  Estamos constantemente desenvolvendo e melhorando esta imersão e queremos oferecer a cada vez mais brasileiros, esta oportunidade de estudo aqui em San Diego. Fora isso, o cotidiano é bastante dinâmico e todo dia tenho desafios diferentes, seja para visitar uma fábrica no Brasil, ou uma palestra na Lituânia, ou mesmo escrever mais artigos relacionados a lean para publicações diversas.

“Creio que dedico meu tempo muito mais a aprender do que a ensinar”

QUAIS SÃO OS BENEFÍCIOS PROPORCIONADOS NA PRÁTICA PARA INDÚSTRIAS QUE APLICAM O CONCEITO DE MANUFATURA ENXUTA EM SEU DIA A DIA?

Entre os benefícios mais visíveis e mensuráveis estão tradicionalmente aqueles relacionados à redução de custos e melhoria da qualidade. Algumas destas empresas se orgulham do quanto conseguiram economizar e trazem visitantes para conhecerem como implementamos o conceito na prática. Uma destas empresas, aqui nos Estados Unidos, economizou US$ 27 milhões nos três primeiros anos que implementamos o lean, e já trouxemos centenas de estudiosos para entenderem como foi feito. Mas os benefícios vão muito além da diminuição de custos, eles incluem redução de estoque, melhoria na entrega, aumento na eficiência dos processos, e até mesmo melhoria comportamental e cultural dos colaboradores.

O TERMO “LEAN” SURGIU DENTRO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA E HOJE É APLICADA EM DIVERSOS CAMPOS DO CONHECIMENTO E SEGMENTOS DA ECONOMIA. PODERIA CITAR EXEMPLOS PRÁTICOS DE COMO ESTA FILOSOFIA PODE AJUDAR FORA DO PROCESSO DE MANUFATURA?

Em mais de 450 empresas em que trabalhei até hoje, nunca me deparei com uma situação onde o lean não pudesse ser aplicado, e com grandes ganhos. Alguns exemplos mostram que apesar do lean ter nascido na manufatura, hoje já alcançou setores dos mais inusitados, como o de uma escola de surf na Califórnia, onde melhoramos a rentabilidade em 85%. Participei também de implementações em hospitais reduzindo tempo de atendimento de pacientes, trabalhei com instituições sociais pela África com pouquíssimos recursos, presenciei melhorias surpreendentes no Zoológico da Austrália e de San Diego, até a Disneylândia e Legoland estão aplicando o lean para melhorar seus parques.

DE QUE FORMA ESTE CONCEITO DE ATUAR PODE COLABORAR COM AS PRÁTICAS ATUAIS DO MERCADO GLOBAL DE ESG, QUE BUSCAM UMA ATUAÇÃO MAIS ALINHADA COM A SUSTENTABILIDADE DAS EMPRESAS?

O ESG está ganhando uma visibilidade inesperada, talvez devido a grandes investidores começarem a se atentar para este quesito no momento de selecionar suas opções de investimento. O lean em sua natureza, permite que empresas diminuam a utilização de recursos desnecessários, o que em sua devida escala contribui para a preservação ambiental.  O seu forte foco na padronização e resolução de problemas através da causa raiz, acarreta maior habilidade de governança. A sustentabilidade, no entanto, continua exigindo a sensibilização da liderança e a mudança cultural, mas já há sinais claros de ambos em empresas brasileiras.  

CONSIDERANDO A ADMINISTRAÇÃO DE ESTADOS E MUNICÍPIOS, É POSSÍVEL A APLICAÇÃO DOS CONCEITOS “LEAN” NA GESTÃO PÚBLICA COM O OBJETIVO DE REDUZIR OS DESPERDÍCIOS?

Temos trabalhado intensamente junto a órgãos públicos americanos. No departamento de transporte do estado do Arizona, conseguimos diminuir o tempo de espera dos motoristas ao mesmo tempo que zeramos as horas extras em várias divisões da agência. Outras agências estatais com as quais trabalhamos, incluem o Departamento de Trabalho do Estado de Washington, Departamento de Saúde e Segurança, Agência florestal, moradia, e até a Autoridade Portuária de Seattle, onde melhoramos as operações em um dos maiores aeroportos dos Estados Unidos.

Temos dezenas de outros exemplos, mundo afora, e até com o departamento de desenvolvimento do Timor Leste e Nairobi na África. No Brasil, levei o conceito a algumas prefeituras, agências federais em Brasília, aeroporto de Guarulhos e outras repartições públicas, e apesar de quantificar uma tremenda oportunidade de reduzir desperdícios e custos, infelizmente nunca houve um interesse mais aprofundado do setor público.

O LEAN JÁ ESTÁ SENDO ACOLHIDO POR GOVERNOS E ÓRGÃOS PÚBLICOS MUNDO AFORA. COMO VOCÊ  VÊ O BRASIL NESTE PANORAMA?

Tenho muita convicção de que tudo se inicia com uma motivação, uma necessidade. Sem necessidade, não há interesse.Tendo morado em países como o Japão, Venezuela e trabalhado em comunidades africanas de baixíssimos recursos, observei que a necessidade acaba sendo o grande gerador por trás de atividades de melhoria.

Por outro lado, o Brasil é um país riquíssimo. Temos uma abundância de recursos naturais, clima generoso, ausência de catástrofes ambientais e humanitárias, e talvez esta percepção induza os governantes a uma zona de conforto.  Em uma de minhas tentativas de trazer o lean para uma importante repartição pública brasileira, o agente do governo me sugeriu uma moeda de troca para benefício próprio.  Ele simplesmente explicou que “assim que as coisas são feitas por aqui”. 

O Brasil tem milhares de empresas nesta jornada lean e o governo poderia se beneficiar aprendendo delas ou com elas. Mas para isso deve haver interesse dos nossos líderes. Certamente dois aspectos que irão mudar o Brasil e despontá-lo para ser um líder mundial, seria uma ênfase na educação de nossas crianças. Inclui-se nisso, não só o aprimoramento do conhecimento, mas também e até mais importante, a disseminação de práticas cívicas, morais e éticas. O segundo aspecto, é uma força de combate à corrupção com tolerância zero.  Com isso, conseguiríamos causar um interesse genuíno nos governantes para a melhoria de processos.  Enquanto isso não ocorrer, estaremos apenas repetindo os esforços de insistir ao governo que melhore.   

SIMPLIFICADAMENTE, COMO AS EMPRESAS PODEM EXPERIMENTAR ESTA FILOSOFIA?

Há dois passos iniciais que são essenciais para qualquer empresa que queira iniciar uma jornada lean:  A sensibilização da liderança e também um levantamento da situação atual, também conhecido como Genba Assessment. Começamos com a liderança pois sem um entendimento mínimo, não há o suporte necessário para uma transformação.  O assessment por sua vez, é como um diagnóstico que nos permite identificar onde estão os gargalos, problemas, pontos focais, os ganhos rápidos bem como os ganhos estratégicos entre outras informações vitais da operação. Com dados em mãos, alinhamos as prioridades com a liderança, que já foi sensibilizada, e conseguimos desenhar uma trajetória de implementação com alta acuracidade nos resultados a serem atingidos. 

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