Queda do transporte de carga indica redução do comércio mundial

O preço do frete para cruzar o Pacífico caiu 75% em relação a igual período de 2021

Empresas de transporte marítimo estão cancelando dezenas de viagens nas rotas mais movimentadas do mundo durante o que seria o pico da temporada, em mais um sinal da crise econômica que assola as empresas à medida que a inflação afeta o comércio exterior e os gastos dos consumidores.

Os cancelamentos em outubro representam uma grande mudança em relação ao cenário de alguns meses atrás, quando o pouco espaço disponível para a remessa de produtos elevou o preço do frete e trouxe lucros recorde para as transportadoras. Em outubro de 2021, empresas como Walmart e Home Depot fretaram seus próprios navios para evitar os gargalos nos portos e dar conta do aumento na demanda por importações.

O preço do frete para cruzar o Pacífico caiu 75% em relação a igual período de 2021. O setor de transporte marítimo agora enfrenta a desaceleração da demanda, depois de grandes varejistas terem cancelado pedidos com fornecedores e intensificado os esforços para reduzir estoques. A FedEx anunciou recentemente que cancelaria voos e deixaria aviões de carga estacionados, em razão da forte queda nos volumes embarcados. Na quinta-feira, a Nike disse que seu estoque na América do Norte estava 65% maior do que no mesmo período de 2021.

A piora das condições econômicas globais, afetadas por fatores como a guerra na Ucrânia e a suspensão de atividades em fábricas na China, é um duro golpe ao comércio mundial. O Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu várias vezes neste ano sua previsão de expansão do PIB global. Os preços ao consumidor vêm subindo em ritmo forte nos EUA, na Europa e em outras partes do mundo.

Uma resposta à queda da demanda tem sido a redução das viagens marítimas. Em setembro, a capacidade de contêineres oferecida pelos operadoras de navios no Pacífico caiu 13%, o equivalente a 21 navios capazes de transportar 8 mil contêineres em cada viagem, ante 12 meses atrás, segundo as empresas de dados marítimos Xeneta e Sea-Intelligence.

Para as duas semanas a partir de 3 de outubro foram canceladas cerca de 40 viagens programadas da Ásia para a Costa Oeste dos EUA e 21 viagens para a Costa Leste, segundo dados das duas empresas e com avisos aos clientes. Normalmente, nesta época do ano, uma média de duas a quatro viagens por semana são “anuladas”, o termo do setor para o cancelamento.

As transportadoras também vêm cancelando cada vez mais viagens nas principais rotas da Ásia para a Europa, segundo os dados.

“Na primeira semana de outubro, um terço da capacidade anunciada previamente será anulada e, na segunda semana, cerca de metade”, disse Peter Sand, analista-chefe da Xeneta. “O ritmo de desaceleração das últimas semanas tem sido muito forte”.

Normalmente, o período entre o fim do verão e o início do outono no Hemisfério Norte é a época mais movimentada do ano para as maiores transportadoras, pois os varejistas e importadores acumulam estoques antes da temporada de compras de fim de ano.

As tarifas diárias de frete para transportar um único contêiner pelo Pacífico, na média, agora estão em US$ 3.900, em relação aos US$ 14.500 do início do ano e aos mais de US$ 19 mil, de 2021, segundo o índice Freightos Baltic.

A Mediterranean Shipping Co., maior transportadora de contêineres do mundo em capacidade, cancelou viagens recentemente, incluindo seis navios da China para Los Angeles e Long Beach.

Algumas transportadoras hesitam em compartilhar dados sobre viagens canceladas para não expor aos concorrentes o que ocorre em suas redes. As viagens podem ser descartadas por congestionamentos nos portos, problemas de agendamento ou queda na demanda.

O aumento da frota de navios de contêineres elevará a capacidade nos próximos dois anos, de forma que o preço do frete pode sofrer mais pressão de baixa à medida que mais espaço fica disponível.

A capacidade de transporte de contêineres marítimos deve subir 4% neste ano, 8,8% em 2023 e 9,7% em 2024, segundo a consultoria de transporte marítimo Braemar, de Londres. Desde o início de 2020, foram encomendados cerca de 1.056 navios, contra 688 navios encomendados entre 2015 e 2019

“A economia mundial enviou sinais enganosos neste ano, e nosso panorama para a demanda futura é incerto e moderado”, afirmou Jonathan Roach, analista especializado na área de transporte de contêineres na Braemar. “O excesso de capacidade provavelmente se tornará um problema a partir de meados de 2023 até 2024 e, potencialmente, mais além”.

O excesso de capacidade leva as operadoras a guerras de preço, pressionando as tarifas de frete para baixo. Os operadores de navios de contêineres enfrentaram fortes perdas por quase dez anos desde 2008, o que motivou fusões no setor. Atualmente, as seis principais operadoras de fretes marítimos transportaram mais de 70% de todos os contêineres no mundo.

O preço do frete nas principais rotas marítimas ainda estão acima dos níveis anteriores à pandemia, e as maiores operadoras têm caixa de sobra para lidar com uma desaceleração econômica de curto prazo. Os custos que as operadoras enfrentam também estão em alta. Os preços do combustível para barcos recuaram depois dos patamares recorde atingidos neste verão setentrional, mas ainda estão acima dos níveis do fim de 2019. As operadoras de portos também estão cobrando mais dos navios, repassando às transportadoras marítimas os preços mais altos da energia.

“O custo da eletricidade, particularmente na Europa, é significativo, porque os guindastes e outros equipamentos pesados operam com energia elétrica”, disse Tiemen Meester, diretor de operações de portos e terminais da DP World, operadora de terminais portuários pelo mundo, cuja sede fica em Dubai.

Fonte: Valor

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